domingo, 25 de janeiro de 2015

Se ouço é porque chama

  A xícara de café na mesa, água marrom parada, sem serventia depois de fria. Ainda assim, sigo presa à xícara, não solto, não desvencilho da asa de louça - o conforto de algo a que me amparar. Mais um gole de café ruim e respeitosamente brindo a tristeza de alguém do outro lado da cidade. A constatação da madrugada que segue manhã adentro, ritmando o dia - devagar e silencioso. E, penso naquilo que nos mantém tão próximos, mesmo quando os caminhos parecem tão distintos. Em algum espaço, em um lugar desconhecido, a vida de todos nós se encontra. Num sentimento, numa dor ou solidão para além de ausência de companhia, num suspiro, lágrima, desejo de cama e colo, a vida de qualquer um passa por um lugar assim. Os alegres também têm direito à ausência de sorrisos.

  Desde a mensagem dela - logo ela - e a imaginação me persegue, passa rápida por mim, me ultrapassa, esfria meu café e me põe pensativa na mesa. O pensamento é o café frio da xícara: sem serventia prática, mas faz companhia por uma infinidade de minutos, nos mantém acordados e nos força a alguma decisão, quando o apego é demasiado preocupante; jogo no ralo e lavo a xícara ou viro o restante tal qual aguardente e seguimos com a vida?

  Somos amigas, eu e a mulher da mensagem, disto eu não duvido, fomos próximas, muito, íntimas até e, agora, estranho uma revelação prosaica de descontentamento. De início, custo a dar crédito, como o  adulto que do alto da sua sabedoria e racionalidade, fere mais a dor infantil com a sentença: - Não foi nada, logo passa.  Como se subestimar a dor alheia, a fizesse desaparecer. Não desaparece - sabemos todos.

  A tristeza de alguém sempre tão disponível à alegria me lembra o quanto ela é universal. Em caminhos distintos, em vidas essencialmente tão diversas, nalgum lugar, nós duas sentamos lado a lado e nem nos apercebemos uma da outra. A dor é demasiada egoísta e requer toda atenção voltada para ela, por isso a sensação de solidão, só vemos nossas próprias mazelas, escutamos nossos murmúrios mais internos, sem desconfiarmos que outros também vivem um sentimento consanguíneo. Quantas infelicidades negamos a quem nos poderia ofertar afetuosamente uma mão?

  Os relacionamentos também se nutrem das águas salgadas. Os outros lados também precisam ser apresentados; nos laços mais firmes o lado do rosto sem maquiagem também é apreciado. O risco de não compartilharmos nossas fotos ruins é o de consagrarmos uma imagem fantasiosa da vida que temos, afastando os outros de uma verdade, que também merece um retrato.

  Desisto do café, levanto da mesa e jogo-o na pia.  Mais tarde, pergunto se está bem e não me responde mais. Não me ofendo, às vezes, uma confidência requer muita luta e, por isso, o cansaço depois dela. Ela há de se recuperar, eu rogo.

  A tristeza não é só dos tristes, assim como a alegria não pertence a um tipo específico. Todos, em algum momento, sentamos do lado de alguém com o mesmo embrulho pesado, mas sequer levantamos os olhos do nosso. Fomos mais amigas nesta manhã; gosto da parte que ela tem dignamente me negado há anos. E isto, embora tenha feito meu café esfriar, me trouxe a saciedade de uma intimidade em processo de retomada. Se escutei seu choro hoje é porque nele ela também me chamava.





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