Não represente para mim, porque conheço seus dramas, seus papéis canastrões, seus improvisos mal sucedidos, não faça de mim seu público, porque não consigo acompanhar seu final inventado. Seja fiel ao que acredita, mas não me cobre as mesmas crenças. Não me culpe pelo trânsito caótico, nem ponha a culpa das minhas crises na TPM, você também tem as suas e eu só espero que passem. Não invista seu tempo em corrigir minhas opiniões, corrija meus textos, meus alongamentos, mas não minhas ideologias.
Eu não tenho culpa da sua sisudez, da sua seriedade pesada, sua literatura comprometida, sua política engajada ou da sua precariedade emocional. Não tenho influência nas suas escolhas capitais, na sua moral burguesa, no seu cristianismo envergonhado, nas suas dúvidas cotidianas, nem nos seus elos indesejados, não. Não tenho.
Não sei o lugar em que você se perdeu, não sei a que horas você volta, nem em que página do romance você parou. Não sei qual o telefone ligar em caso de emergência, nem seu tipo sanguíneo, desconheço seus parentes mais distantes, nem o nome do seu primo de Brasília eu sei. Mas nunca deixei de atender aos telefonemas, dar o abraço que precisava ou a carona para o aeroporto, em dezembro, para ver sua família.
Não me culpe pelo preço do aluguel, nem pelos governos, não me culpe se eu votar nulo, se eu insistir em ser otimista ou se eu achar que vai dar tudo errado. Não me culpe pelo seu desinteresse nas minhas verdades, no meu jeito simplório e no meu vocabulário de estudante secundarista. Não me culpe pelos seus olhares atravessados quando exalto o filme que você não gostou ou quando falo de um diretor que você não conhece. Não pense que sou eu a culpada pela sua falta de tempo, de filhos, de férias. Não me eleja a mártir da sua infelicidade.
Não se surpreenda com a possibilidade de insurgência, cisma, dissidência num sábado à tarde depois de seu último olhar de reprovação. Não me culpe quando eu for embora, mas também não me peça para ficar. Numa rebelião serei implacável; a culpa é sua, toda sua. Foi você quem não soube ficar no domingo à noite. Mas se quiser se libertar, eu te poupo, te desassossego, as poucos, te bagunço sem notar e quem sabe assim seu mundo seja mais plumas e menos concretos. E, quem sabe, finalmente te dou a paz que nunca para mim foi possível.
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