quinta-feira, 26 de maio de 2016

Ele é o par. Elegante, elefante.

  Uma floresta fechada, mata úmida, vegetação demasiada agregada, difícil de explorar. Para conquistar míseros centímetros, o esforço é gigantesco e quase sempre tem-se a impressão de que a tentativa não valerá a pena. Floresta densa, mato forte, vegetação incólume, ninguém mais sairá de lá depois de entrar, bem poucos tentam. Natureza que não convida, que afasta já na entrada, delimitada pela segurança da dificuldade. Mas ele conhece, ele é capaz de entrar sem esforço e sair quando quiser, abrindo caminhos, vasculhando extremidades, chegando ao centro, sem resistências, sem necessidade de negociações.

  Só ele no mundo sabe completamente dela, sabe cada parte, até aquelas que não andam sob luz alguma. Talvez ele nem suspeite, mas ela nunca deixou de falar absolutamente nada para ele. Sabe mais do que ela pode mostrar a qualquer um. Não sabe de todas as histórias, porque essas ela compartilha sem dificuldade com quase qualquer um, gosta de exibir a boa memória, a facilidade com as narrativas,  mas só ele sabe sobre o que ela realmente pensa, como pensa, sabe o que ela sente, quando ninguém mais pode ver.

  A relação de sinceridade e entrega absoluta existe, porque ele nunca pergunta nada, porque o seu interesse parece pluma leve repousada nas aspas dela. Se ela fala, ele ouve com a profundidade que ninguém mais dá, mas se prefere o silêncio ele não toca na água, não tenta mover com nenhuma pedra atirada nas águas calmas do rio dela. Ele tem ouvidos e isto parece tão raro. Ele não dá conselhos, não esboça opinião, mas dá escuta livre, solta, sem sobrancelhas soerguidas ou testa franzida. Acolhe o que ela é. Não precisa pudor, políticas, diplomacias de conquista. Se aprofundaram um no outro, na distração.

  Ele não dança, não dá presente, não faz poesia, mas ele escuta e não pergunta. Não a afasta, não estoura a bolha de sabão ao tentar alcançá-la, ele ouve e a escuta livre é a aproximação mais cuidadosa que existe; talvez seja um amor maduro, superior, esse. No universo dela ele passeia sem pressa, não parece um turista eventual, atrás das fotos, dos souvenirs nem morador acostumado, que olha sem espanto; é explorador de territórios que a cada passo faz as marcas da revisita, ele deixa vestígios para nunca se esquecer de voltar. Nos ouvidos dele, ela existe como em nenhum outro lugar, sem medo, sem ilusões de heroína; na escuta dele ela é só humana, muito. Melhor que dança, que jantares, que elogios é ser perscrutada sem interrogatórios.

  Se, de repente, se perdessem agora, exatamente neste ponto, ele já saberia mais do que qualquer outra pessoa das vozes dela, das suas visões, dos seus medos e da força que ela alcança num segundo de confissão; e resolvida, brusca, se levanta no meio de uma conversa e diz que vai ali "resolver a vida". Ele não duvida, não impede, nem pede calma, se despede, abre a porta e adeus. Mais tarde, ela baterá na porta e ele abrirá, a porta e o coração dela. Sem chaves inglesas, sem pressão, sem força, abrirá com a escuta de confessionário dele.

  Não que ele seja um gentil homem sensível, às vezes a falta de uma apreciação parece ignorar as dúvidas dela, parece pisar com as patas gigantes de um elefante no seu mal estar da vida. Mas noutras, ela se lembra que só fala para ele, só se abre, só é ela, porque ele não pede. A gente só quer dar o que não nos pedem, o pedido faz de qualquer regalo uma burocracia ordinária. Sinto que quanto mais corremos em busca de uma resposta mais ela se afasta. Mais nos apegamos àquelas mentirosas que nos agradam. Se quiser a palavra certa tem que se recolher na paciência e talvez ela venha ou não. Mas, certamente, se clamar por ela, não virá, não sairá da boca de ninguém. Se pedir, o amor não dá. Se pedir, a resposta não chega.

  Ela sabe dele mais do que qualquer pessoa e talvez nem desconfie. Ela oferece a mesma escuta que recebe dele, seu par de ouvidos atentos, elegante, elefante. Ele e ela sabem visitar florestas densas, sem quebrarem um só arbusto. Talvez não saibam o quanto sabem um do outro e por não saberem é que continuam com os ouvidos atentos. Não saber que sabe é ignorância preciosa, no caso de exploradores como eles.



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