quarta-feira, 25 de maio de 2016

Quando não for mais maio


   Quando não for mais medo. Quando não for mais noite. Quando não for mais frio, nem longe, nem impossível. Quando o orgulho não for mais meu, quando você não for mais ocupado. Quando não forem mais os voos atrasados ou a chuva que nos pega de surpresa e deixa o caminho pela metade, atrás de abrigo. Quando não for mais a doença dos pais, o cansaço do trabalho. Quando não for mais: depois que terminar o curso, que conseguir o aumento, mais trabalhos ou quando for promovido.

  Quando não tiver mais horário de verão no Uruguai, quando não for mais tão longe ir ao Japão. Quando não for mais o inglês a língua oficial. Quando o golpe falir, quando me pedir desculpas, porque mesmo já perdoado, espero o pedido. Quando o chuveiro esquentar, quando o bombeiro consertar o vazamento da pia. Quando não formos mais touro com ascendente em câncer e leão com ascendente em áries. Quando os olhos do meu gato não lembrarem mais os seus, quando o cheiro da sua casa não for mais o do meu xampu. Quando não for mais ruim levantar cedo, quando não for mais impossível fazer parar a saudade. Quando a minha linha de metrô for a mesma que a sua, quando as nossas correspondências descansarem juntas na mesma caixa de correio.

   Quando eu não errar mais no doce do café, quando o amargo do chocolate agradar a nós dois. Quando eu não ficar com olhos parados como os da minha avó e você perguntar se estou triste e eu responder que preciso descansar das muitas visões. Quando não tocar mais a música que você disse que queria ter escrito e antes de você dizer, eu sussurrar: - Essa é a música que você queria ter feito. Quando os ladrões não roubarem mais do que a atenção, o afeto, o beijo. Quando não falar a verdade parecer mais elegante e delicado do que ser sincero com cuidado.

  Quando o meu time não for mais para a segunda divisão, quando você não for mais centroavante do time das quartas-feiras; quando eu não souber mais onde você está às quartas-feiras. Quando eu não sair mais atrasada, quando Nova York ficar depois da Avenida Rio Branco; quando Virginia se levantar do Rio Ouse e dizer que foi um engano, quando Leonard segurar de novo a sua mão. Quando os peixes que matamos sem querer se esquecerem da morte, quando não for mais tão caro viver.

  Quando não for mais pressa, terapia uma vez por semana sem faltar e o homem que monta os móveis aos sábados e você não pode sair. Quando, finalmente, aprender o lugar das xícaras, não misturar garfos, colheres e facas em um mesmo lado da gaveta, quando a gente tiver um nome para o filho. Quando não for mais táxi de madrugada, depois da briga. Quando não for mais longe a minha casa ou a sua.

  Quando não for mais preciso anestesia no dente, quando o corte no pé, pelo copo quebrado, não sangrar mais. Quando os orgânicos não forem mais caros, quando dezembro não for mais melancólico, quando as promessas não precisarem mais de assinaturas ou palavras. Quando não for mais preciso o cartório, o papel. Quando não for mais desconfiança, nem necessidade de muita certeza. 

   Se não fosse mais medo, cedo ou tarde demais. Se a gente se esquecesse, de repente, das resoluções distantes. Se a gente adiantasse todos os atrasos e atrasasse as incertezas. Depois de maio, se quando não fosse mais maio, a gente resolvesse que não precisa resolver mais nada antes ou depois de qualquer coisa e que em tudo daremos o jeito, aquele que ainda vamos descobrir. Aí então, maio nunca mais seria só promessa. Quando não for mais maio, quem sabe? Quem?






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