Quando depois da meia noite eu resolvia limpar os vidros da casa, quando antes das seis da manhã eu saia para correr e a padaria ainda estava fechada, enquanto eu fazia dez cafés pela manhã e tomava um, os outros nove eu oferecia, insistia mesmo para que alguém os tomasse. Quando eu fazia uma lista de metas para este ano e no meio dela eu me levantava para atender a porta, de onde ninguém me chamou e eu esquecia o que eu queria colocar no papel. Quando o cão me olhava, porque era hora de ir para a rua e eu havia esquecido. Quando eu segurava a coleira dele com tanta força, como se eu o quisesse ater a mim para sempre, como o filho de uma mãe dramática.
Quando eu perdia a fome e no lugar dos bolos eu lixava uma parede ou pintava um armário de uma cor que depois eu odiaria.
- Laranja! Um criado laranja no meu quarto. Um por do sol na beirada da minha cama.
Enquanto eu procurava um destino para viajar, nas férias, daqui a dois anos. Quando eu olhava para os rostos na rua e procurava alguém ou um sinal, em alguém, que me respondesse a uma pergunta que eu nem sabia se existia. Quando de noite eu olhava para o céu, não como quem contempla, mas como quem espera, procura.
E de manhã, se eu ficasse mais cinco e depois dez minutos na cama, eu não dormia, mas aguardava um som, um sopro, um latido que me pedisse para levantar. Quando, eu chegava em casa, deitava no sofá e achava os livros muito desorganizados e tortos, eu os tirava da estante para limpar e arrumar e já no terceiro eu abria e lia as anotações que eu mesma tinha feito, mas achava tão novo, tão absurdamente genial para alguém que era eu e não parecia e eu me perdia no tempo, nas horas, na espera. A noite chegava e eu não tinha limpado ou organizado mais que uma dezena de livros.
Mas, então, sem anúncio, surge uma pequena nota, um bilhete, chega um email, uma saudação estrangeira e uma calma gentil aparece na porta, senta na minha sala, em frente aos livros ainda bagunçados e pede um café e, sem pressa, levo-o forte, com um pedaço de bolo; ela elogia. Eu não pergunto quanto tempo ela fica, ela também não me fala sobre o tempo ou a minha aparência. A calma e eu no meu sofá, relaxadas, sem olhos para o relógio, porta, janela ou fogão. De repente, eu era a espera por alguém a quem nunca me pareceu faltar, mas era, era essa a espera. A calma me trazia o recado.
E no outro dia, depois de uma noite inteira dormida, depois de me levantar atrasada, passar o único café e tomá-lo inteiro, eu trabalhava sem checar meus emails a cada cinco minutos, sem fazer bolos desesperada, sem lixar portas, paredes e pintar os móveis de uma cor esquisita, eu voltava à casa sem ter que organizar os livros, bastava escolher um e lê-lo até o sono chegar. Era a falta que eu só soube sentir no dia em que voltou quem eu achava que já tinha me acostumado à ausência.
Depois da descoberta, eu quis fazer anúncio na internet, outdoor na avenida, desfilar em carro aberto, exibindo o sentimento da maneira mais pública que eu pudesse. Era a saudade que eu negava, era saudade que eu só soube quando ele virou a maçaneta da porta e segurou a minha mão. Era saudade escrita em caixa alta. Foi só abrir a porta e ele segurou o meu soluço, as minhas angústias de dois meses e com uma das mãos ele segurou meu coração. Como se chegasse na minha vida agora, como se estivesse sempre chegando. Quando eu não sabia onde doía, ele acenou, a calma me visitou e, finalmente, eu não tinha um banquete preparado, mas o convidado chegava na hora certa.
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