quarta-feira, 18 de abril de 2012

E tinha uns olhos tristes...

  Muito tristes, eu diria. Não era cansaço, sono (ainda que fosse bem cedo), me parecia desiludida, até meio perdida. Quando cheguei à sala de espera do consultório, ela já aguardava a médica, éramos três: eu, a mulher dos olhos tristes e a secretária, todas esperando...acho que as secretária fazia algo mais, mas nós duas, pacientes, era só esperar...

  Escolhi uma revista, a mesma da consulta passada, tinha uns artigos muito bons e eu não havia lido todos. Então, recomecei a leitura. A mulher já estava na terceira revista, desde a minha chegada, só folheava, sofregamente, sem atenção nenhuma. Vez ou outra, verificava o visor do celular, acho que não checava as horas, porque no consultório, acima da recepção, há um relógio bem grande, então, imaginei que esperasse telefonema, mensagem, qualquer comunicação exterior. Na sala de espera, só a comunicação entre eu e a secretária, assuntos comezinhos, nada de importante, mas a mulher não correspondia nossas tentativas de inserí-la na conversa, nem quando era claramente chamada pela secretária (que apesar de não ser lá muito simpática, é bastante esforçada. E por tal esforço, acho-a merecedora da minha atenção...) ela se manifestava. 

  Em poucos minutos, chegava a quarta ocupante da sala, era já conhecida da mulher triste e tinha uns olhos raivosos, quando olhou para a mulher triste, esta logo fez uma reverência com a cabeça, mas não me parecia humildade, nem educação, me parecia mais um gesto de submissão. A paciente recém-chegada era mais jovem que a mulher triste, mas tinham, algum parestesco, pelo que consegui ouvir da sua conversa com a secretária. Logo sentaram-se lado a lado, a Triste e a Raivosa. E os meus artigos interessantes na revista, ficaram, em segundo plano. Embora a revista estivesse aberta, na linha do meu olhar, nas minhas mãos, a conversa entre as duas mulheres absorveu toda minha atenção.

  O caso, pelo que eu entendia era o seguinte: ambas haviam marcado um procedimento estético com a tal médica; mas a Triste, havia ficado doente (mais para frente eu compreendi qual era sua enfermidade) e a Raivosa resolveu desmarcar o tal procedimento, a Triste soube da mudança na agenda e resolveu confimar os dois horários o dela e o da Raivosa. Agora ambas estavam lá para o procedimento, a Triste, que se dizia recuperada e a Raivosa, que censurava a teimosia da Triste. 

  Mais tarde, ambas iniciam, para meu espanto, uma discussão duríssima. A Raivosa, acusava a Triste de ser irresponsável com a própria saúde, com o equilíbrio emocional dos filhos e completamente egoísta com o restante da família (a esta altura imaginei que fossem irmãs, pelo tamanho da "intimidade" e até uma semelhança no tom da voz e gesticulação). A Triste dizia que não suportava mais o isolamento dos últimos dias, que queria recomeçar a vida e ali (no consultório dermatológico) reiniciaria sua jornada. Depois da explicação da Triste, a Raivosa, tinha mais raiva no olhar. Pegou sua bolsa, ameaçou sair, mas antes de chegar à porta, voltou, sentou ao lado da Triste e recomeçou o diálogo, agora em um tom pedagógico, sobre a importância da Triste continuar o tratamento que deixara, que era muito bom que desejasse recomeçar, mas deveria, escolher mudanças mais urgentes e fundamentais. Que não deveria ser indulgente com os filhos e família...e outros tantos conselhos mais íntimos. 

  A médica chegou ao consultório, nos cumprimentou  na sala de espera, a secretária a acompanhou até a sua sala. E as duas mulheres continuaram: A Raivosa (agora controlando sua raiva) continuava seu discurso, claramente inspirado em algum manual de autoajuda e a Triste, continuava com ombros curvados, sem dizer nada, embora, para mim, ela não estivesse assimilando nada do que a Raivosa articulava. Até que a Triste adulta, mulher crescida, em torno de 45 ou 50 anos,  numa voz infantil, com olhos marejados e postura desamparada, disse para a Raivosa: - Ele me amou quando eu era bonita, jovem. Ele pode me amar de novo não pode?

  A secretária me chamou para a minha consulta. Não ouvi a resposta da Raivosa, fui poupada do sofrimento da Triste. Minha consulta foi rápida, quase não requisitei os conhecimentos da médica. Incomodada, curiosa, minha atenção ainda tinha como alvo as duas da sala de espera. Quando saí, nenhuma das duas estava mais por lá, fui marcar meu "retorno" e a secretária me pediu desculpas pelo conflito ocorrido na sala de espera. Não vi, nem ouvi mais nada sobre as duas. Não soube mais de nada.

  Mas, para mim, a Raivosa tinha razão: a Triste, não resolveria seus conflitos, com uma intervenção superficial. Por outro lado, entendo o raciocício "lógico" da Triste, se ela foi amada por uma determinada característica, recuperá-la poderia "trazer" de volta o sentimento perdido (é ilusório e limitado tal associação, mas é tão compreensível, para mim). A Triste e a Raivosa, na verdade eram duas desesperadas, ambas tentavam resgatar algo que não estava em suas mãos; a Raivosa desejava recuperar a Triste da sua tristeza e a Triste deseja recuperar um amor perdido. Pobres mulheres! Mal sabem elas que, em sua "pobreza", havia muita prosperidade; porque ambas tinham uma à outra. Desejo que elas reconheçam sua miséria e riqueza e sejam muito gratas por elas. Eu seria...




2 comentários:

Anônimo disse...

Chorei... Nem preciso "assinar",ne?! ;) Quem chora igual criança??? haha...

Amanda Machado disse...

Só vc, Sá!