terça-feira, 10 de abril de 2012

Elementar, minha cara vida!

  E "flanando" pela rua, lotada, caótica, abafada, vejo perto da escola, por onde passava, uma adolescente muito parecida com J. Sabia que não era ela, mas mesmo assim sorri, com saudades, na ingênua esperança de J., de algum lugar, saber que sorria para ela e, prontamente, como fazia há tempos atrás, corresponder ao meu sorriso, com uma largura e luminosidade que só ela sabia.

  Conheci J. há muitos anos, éramos adolescentes (ela 2 anos mais nova, talvez fosse "pré -adolescente"). Inteligentíssima, madura para a idade, boa pessoa, dessas que a gente gosta de estar perto, sabe? E bem humoradíssima. Logo nos tornamos amigas. Desde lá, até aqui, com pouca gente compartilhei de tantas afinidades como nós dividíamos. Claro, que fiz outras grandes amigas, disso não há dúvidas. Mas, com J. as afinidades eram mesmo muitas e profundas.

  Enquanto eu seguia o ensino médio, para quem sabe fazer uma faculdade, J. ingressou em um curso técnico; em escolas, horários e com rotinas muito diferentes, nos afastamos um pouco. Embora sempre que nos encontrávamos era como se "agorinha" mesmo a gente tivesse se separado. Terminei o ensino médio, J. o técnico, eu continuei na cidade e J. se mudou, na época temporariamente, para fazer um estágio na sua área de formação. J. foi contratada pela empresa, onde fazia estágio, ingressamos no curso superior (eu aqui e ela em uma cidade próxima de onde trabalhava).

  Finalmente, perdemos o contato (o que quase sempre acaba acontecendo mesmo). Eventualmente, tinha uma ou outra notícia de J., porque nossos pais trabalharam juntos, eram amigos e, vez ou outra, se esbarravam pela rua. Um dia, J. "encontrou"  minha irmã numa rede social, pegou meu email e resolveu me escrever. Contando da vida, perguntando da minha e gracinhas e lembranças, talvez nada demais...mas, foi das "correspondências" mais lindas que recebi. J. se lembrava de cada aspecto da nossa amizade, J. me agradecia imensamente pela companhia e influências, J. tinha uma imagem tão positiva de mim, que me surpreendi muito emocionada. Escrevi para J. e continuamos a nos corresponder por alguns dias. As missivas eram longas lembranças, muitas novidades, mas com certa dificuldade em se restabelecer a intimidade, entende? Eu vivia uma fase de alegria infinita, poucas responsabilidades e um futuro muito atrelado à fantasia. J. era independente, responsável e, como me relatara, tinha experenciado as frustrações e algumas decepções da vida adulta.

  Cinquenta e cinco dias depois do nosso último email, enquanto saía atrasada para meu estágio, recebo uma ligação com a notícia da sua morte. Acidente estúpido de carro, na porta de casa. J. não só não me escreveria, não me sorriria, não afagaria meu ego, não compartilharia comigo doces lembranças, como também não realizaria, por aqui, os sonhos e projetos, que há tão poucos dias havia dividido comigo. Fui para o estágio, executei as tarefas cotidianas, não compareci a despedida oficial nenhuma, só contei para os meus pais o ocorrido no final do dia. Rezei por ela, chorei, mas nunca despedi. É como se ela só morasse em outra cidade...Até o dia que vi a adolescente tão parecida com ela. 

  Cheguei em casa e reli os emails de J.. E agora, via neles uma tristeza que não consegui ler na época. J. estava melancólica, saudosa e com uma dor, que embora me dissesse superada, agora me parecia latente. Enquanto J. lamentava minha ausência, era claro que também sentia sua própria falta, ou de quem era, quando nós ainda convivíamos. 

  É ilusão pensar que na "pré-despedida" o indivíduo tem uma espécie de completude e paz total. A gente fantasia que o destino prepara a todos nós para nossa partida...fantasia, ilusão. A vida é mesmo esse agora. O que vem depois, infelizmente, não tem destino que possa  preencher. Mas, ainda assim, é possível que nos 55 dias, depois do nosso último e-mail, J. tenha se sentido imensamente feliz.Torço muito para que sim.

  A adolescente na rua não respondeu ao meu sorriso, J. não está trabalhando em outra cidade. Mas, na minha lembrança J. continua muito radiante e espertíssima e a cada conclusão que chega, repete para mim: - Elementar, meu caro Watson. Como fazia tantas vezes...acho que este talvez seja o meu "até mais". Elementar, minha cara J. Elementar...

 

Nenhum comentário: