segunda-feira, 28 de maio de 2012

E a alma não morre

  É o que sempre dizem, é o que ouvi e, de certa forma, acostumei a acreditar na sua veracidade. É chegado um dia que o corpo descobre-se frágil, passível de falência e se vai. Mas, por outro lado, há sempre o consolo da sobrevivência da alma. Dizem que é nela que vivemos, é nela que toda nossa essência se resguarda. Que sublime, que poético, que consolo!

  Porém, dia desses a tal frase é repetida. "A alma nunca morre." Sem ao menos, pensar por um segundo, protesto baixinho: - Ás vezes é a primeira a morrer. 
  Porque lembrei de gente que anda por aí feito zumbi, destinado a acumular bens, sucesso e algum prestígio, o qual confundem com afeto. Porque tem gente, cuja vida perde tanto a graça, que não suportam mais nenhuma vivência pura, sem anestésicos, para suas dores de alma. E metem-se a comprar desesperadamente, a beber ilimitadamente, a comer compulsivamente, a amar loucamente (e, ironicamente, sem amor). E, acho que lembrei das atrocidades históricas e das diárias, de tanta violência, tanto desrespeito, que a gente chega a se questionar a tal "imortalidade da alma". Ao sujeito que cometeu algum  ato desumano chamamos de "desalmado". Portanto, se todos nascemos com uma alma (teoria de Platão); o sujeito sem alma, assim está, porque a sua está morta.

  Mas aí, uma vez morta a alma não teria condições de uma ressurreição; não teria remédio, não teria volta, não teria remissão, salvação ou regeneração. Mas, sei de tanta gente que um dia acorda para uma outra vida. De gente que desejou, necessitou ou aprendeu que podia mudar...

  O show na praça é maravilhoso, os artistas simpaticíssimos, a música é boa, o clima segue tranquilo. Até que o cantor, uma dessas personalidades artísticas que ultrapassam a esfera cultural, pois é um arquivo vivo (e que vitalidade!) da história de uma nação, inicia um dos seus grandes sucessos. E a plateia segue emocionada em coro. Um senhor, cerca de 70 anos, sozinho, trajando com elegância sua "roupa de missa", sério, circunspecto, até então, com pouca expressividade corporal mesmo com as notas mais descontraídas das músicas, mesmo sob os pedidos empolgados do cantor se "entrega" emocionado, quando a tal música inicia. O homem até então uma rocha, indestrutível, inarredável, agora tem na faces madura muitas, muitas lágrimas. Talvez a letra fosse a história daquele homem, talvez fosse uma saudade reprimida, uma recordação das mais doces ou doloridas, talvez fosse só um estopim para a emoção acumulada estourar e vir para fora. Era tanto sentimento, era tanta emoção; o artista agora era pano de fundo, minha atenção e afeto se voltaram para o senhor a minha frente. Queria segurá-lo nos braços, queria confortá-lo, queria dizer que tudo ficaria bem, que chorar lhe faria muito bem, mas fiquei distante admirando uma alma que ganhava voz, expressão; uma alma que pouco se importava com os olhares alheios.

  O homem que vi quando cheguei e de quem, com dificuldades, me instalei a alguns passos atrás era um, o homem durante e depois da emocionada canção era outro. Uma alma não morre, reconheço. Uma alma nunca vai morrer, tenho esperança. Pode ser que, vez ou outra, talvez vá fazer uns passeios por aí, mas um dia ela retorna. E volta quando lhe apetecer, quando for novamente requisitada ou quando ouvir uma canção na qual se reconheça, numa praça qualquer, em um show qualquer...




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