
Ainda na portaria, cercada pelas finas hastes de mar, conversamos sem pressa, as palavras seguem soltas, são recolhidas cada uma sem medo, sem insistência pelo acerto, sem escolha premeditada; engraçado como os aprendizados recentes têm me levado ao encontro dos erros de maneira voluntária, sem sofrimento e quanto mais me entrego a eles, menos os erros são meus.
E nos falamos sem posição demarcada, sem vícios corporativos, não somos amigas, mas poderíamos ser. Sento-me de novo, há uma Santa no lugar, Catarina é seu nome, divido com ela o corredor colorido pelos cartazes. Somos duas estátuas de cera branca observando as grades azuis. Lá fora a tarde desce calma; era sol inteiro quando cheguei e agora só meio sol. Aos poucos, os olhos curiosos me descobrem, se aproximam e bocas desinibidas perguntam de onde sou, quem sou, o que faço, minha idade, olho para santa e, cúmplice, ela me protege, me deixa mais solícita e sorridente a cada pergunta. As investidas são particularmente afetuosas, engraçadas e nada desconcertantes.
Quando já me sinto parte do lugar, a mulher me chama e me apresenta um menino de seis anos, vamos para um escritório e sentado a minha frente, peço a ele que comece a atividade, esperto, arredio e com o olhos mais sedutores ele me diz:
- Tia, eu não sei como fazer o certo.
Eu entendo o medo dele e o consolo, sem mentira:
- Não existe um jeito certo, cada um tem o seu próprio (eu acredito mesmo nisso, enquanto falo) faça do seu jeito e estará muito bom.
Ele desconfia, mas começa, depois se esquece do medo e segue tranquilo, entregue aos seus traços, nem certos, tampouco errados, autorais, próprios. Quando a vida ou alguém nos possibilita a liberdade, a gente escolhe caminhos mais adequados aos nossos pés; quando temos margem ilimitada acertamos mais as linhas; a segurança de olhares disponíveis e sinceros nos afasta do medo e da covardia que é sempre procurar a aprovação alheia. Meu abraço largo foi dado agora, não aperto o menino, deixo-o livre para também me abraçar; nossos corações se tocam sem espremer, sem sufocar. As tardes deveriam ser sempre assim, feitas de abraços largos e olhares doces.
Poderia passar todos os meus dias da semana atrás das grades azuis, mas a vida, por enquanto, é outra, lá fora tantas cores, santas, curiosos e meninos a conhecer; a mulher me liberta das grades, agarro-me uma última vez a elas e despeço-me da obrigação com meu melhor sorriso. É quase noite e eu não assisti uma tarde cair, mas fui espectadora privilegiada, de uma coreografia bonita, onde as nuvens abraçavam levemente um sol de novembro. Amanhã tem chuva e a tarde bailarina me dirá que não existe "jeito certo". Acabo de lembrar da desconhecida, sorrio sozinha.
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