
Meus olhos, tenho achado, são constantemente chamados à loucura. Por isso, quando vejo-o articulado, desinibido, apontando os prédios e conversando com interlocutores invisíveis eu não estranho, aceito. Meus olhos escolheram a cena e entregue eu assisto-a arrebatada. Ele caminha mais alguns metros e passa as páginas de um livro que só ele é capaz de enxergar. Nas mãos vazias, o gesto é irretocável. Há um livro, eu juraria ter um livro. O louco, o livro e a sua sobriedade de lúcido, sem rompantes, sem achaques ou gritos; só a materialidade de coisas e pessoas publicamente inexistentes. E é certa, obstinada, desavergonhada a loucura dele. Depois, entra na loja de departamentos, com gestos largos, andar solto, calça jeans clara, passada com finco, apresentando as prateleiras para alguém que não vemos, mas que eu desejava tanto ser eu. Desejava era ser amiga dele, compartilhar com ele de uma loucura muito acertada, bem vivida. Loucura que segura e passa as páginas de um livro, loucura acompanhada de amigos invisíveis.
Nossos olhares nos levam pela vida, não o contrário. Quando vamos a uma janela ou procuramos uma fresta já está inscrito em nós o desejo por algo e é só isto que os nossos olhos nos dão: nós mesmos. A necessidade do gato abandonado é menor do que a de quem o encontra. A fome de quem sai de casa e vai à padaria é a de salvar um animal e não a do pão. A loucura do homem conforta a minha, o delírio dele faz companhia ao meu; não estou só nunca, meus olhos sempre me levam ao encontro de um outro que me completa.
Vi seu livro, louco, eu agora tenho a obsessão pela obra com a qual o senhor, tão naturalmente, se deleitava. Queria encontrar animais abandonados, dar um lar ao gato, matar a fome do cão, mas meus olhos só se consolam com a loucura e com ela ainda não sei o que fazer. Por enquanto, só calo, acolho e incorporo-a. Saio a procura de um livro que nem sei se existe. Meus olhos saberão onde encontrá-lo, confio.
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