
Na escola, algumas crianças em fila, se organizam num passeio pelo pátio. Todas as escolas do mundo, todos os pátios e todas as crianças de escolas pelo mundo, se parecem sob determinadas perspectivas. O grupo de adolescentes mudou o clima da cidade, agora é um quase frio e, por isso, o vento me lembra uma outra época. Começo pela voz antiga, que eu ainda lembro.
Ela pede que façam uma fila, antes, dá algumas instruções, fala sobre a atividade que farão, antecipa algumas questões práticas: precisam fazer silêncio ao passar pelos corredores, os passos devem ser lentos e as pisadas suaves, sem atropelos, para não chamaram a atenção do resto da escola, devem deixar as mochilas na sala, não precisam levar lápis ou papel e a fila só pode ser desfeita quando chegarem ao pátio do primeiro andar. Não é difícil manter a ordem, se a recompensa é a liberdade, especialmente quando se é criança, sem perspectiva muito próxima de abandonar as quatro imperiosas paredes.
O grupo chega ao primeiro piso, seguem até a quadra de esportes descoberta e a professora organiza uma roda no centro do espaço cimentado. Enquanto todos estão sentados ela inicia a atividade. Primeiro, é necessário silêncio, depois precisam ouvir bem cada recomendação, sem anotações, sem reflexões ou debates coletivos, a compreensão, ela sugere, será individual e interna, sem avaliação ou nota. Pede que fechem os olhos e depois, que sintam o sol de maio. Fala do calor dele na pele, da sutileza da sua energia esquentando cada roupa e, mais nada, se cala. São crianças de nove ou dez anos e ninguém se move, só sentem como lagartos espichados ao sol, a energia do astro. Ele começa sutil, depois vai se tornando forte e mais forte e por mais que tenha estado sempre ali, agora, parece ser mais essencial que nunca. O sol é pela primeira vez aprendido sem palavras ou imagens; sentir é a matéria do dia, ninguém disse que isso também poderia ser aprendido na escola. Depois de alguns minutos, uma aula talvez, seguem para a sala, ainda mais silenciosos do que vieram, sem resistência, sem luta. São cerca de trinta crianças satisfeitas com uma atividade muito prosaica.
No outro dia, a professora não voltou. Sabia da partida há tempo, mas preferiu ignorar a despedida, porque talvez soubesse ou, ao menos, gostaria muito, que nunca se desprendesse definitivamente daquelas outras vidas com as quais compartilhava muitas horas nos últimos meses. Algumas crianças choram quando descobriram a mudança. Eu chorei; de pena, de saudade antecipada, de abandono sentido, mas principalmente pelas lições que ela não nos deixaria mais.
Subo a avenida e o vento fino, pontiagudo, me lembra ela, eu sinto, só sinto e ela nunca mais foi embora de mim. No entendimento das pequenas coisas é que a narrativa do mundo se constrói. Acho que as nossas relações são processos que complicamos demais, quando as escolhas possíveis são sempre muito simples. Ela foi a primeira a dizer que o sentir era demasiado importante, ela foi a primeira que valorizou o que nós sempre podemos e somos, mas que invariavelmente não é requisitado em avaliação nenhuma. Sentir, ela ensinou, é o nível mais sofisticado de sabedoria.
O vento que me acompanha até em casa é também um entendimento meu, nada é mais importante do que aquilo que trazemos dentro de nós e que não podemos comunicar, mesmo que tentemos muito. O que se passa com cada um de nós, só nós podemos suspeitar, ninguém nunca poderá alcançar. O sol do pátio, o vento da avenida, os focinhos caninos passam por muitos, mas são só meus enquanto eu souber senti-los - só este é um egoísmo perdoável.
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