domingo, 29 de junho de 2025

O manual de criação de peixes

  Para criar peixes é indispensável tempo, dedicação e ampliação determinada dos aprendizados. É preciso não temer os fracassos e saber, de antemão, que eles são tão presentes quanto as linhas onduladas na água em que crescem os vertebrados mais antigos do mundo. 
   Criar peixes é, antes de tudo, aprender a criar peixes e, no entanto, nunca saber em definitivo.
 
  É possível criar peixes sem saber nadar, é legítimo criá-los sem nunca entrar na água; mas só quem mergulha pode conhecer o íntimo dos peixes. Dar braçadas na água, respirar por baixo da superfície e enxergar o escuro do mundo subaquático são essenciais para que a relação se estabeleça noutra perspectiva. O distanciamento é possível, mas só a aproximação radical entregará o sublime.

  As peculiaridades na criação de peixes são muitas e constantes. Conhecer os limites da água para o tipo de animal ao qual se pretende dispensar cuidados; se é um aquário, açude ou lago. E, principalmente, saber ao que se pretende a criação, se é essencialmente ornamental, para consumo ou entretenimento para pescadores amadores. Quaisquer que sejam os objetivos e as dimensões do criadouro, a nenhuma é possível abandonar depois que os peixes e o criador estabelecem relação. 

   O coração dos peixes bate tal qual aos dos humanos, embora tenham a metade das cavidades, somente duas, o átrio e o ventrículo e também podem se despedaçar; mesmo que a ciência não confirme o processo em ambas as classes taxonômicas.
  O tempo de vida de um peixe está intrinsecamente ligado aos objetivos da criação e a dedicação do criador. Peixes de aquário, por exemplo, são facilmente assassinados, involuntariamente, por excesso de alimentação.
  Um peixe pode ter em média três anos, vinte ou sessenta anos de vida; e em qualquer dos casos é assustador que ele dependa de um humano bem intencionado e conhecimentos específicos.
 
  Mas um peixe não é só vulnerabilidade. Há na fisiologia do animal uma tecnologia sensorial que identifica a aproximação de predadores, pelo olfato ou captação de movimentos na água. Para criar peixes, portanto, é preciso também cultivar confiança.
  Para criar peixes é necessário saber chorar na água, aprender a linguagem dos peixes, nas vozes e ondulações ancestrais dos seres aquáticos. É preciso conhecer a história de sua classe, suas adaptações às transformações na natureza, algumas melhores desenvolvidas do que as humanas e respeitar seus vários tempos; de nadar, descansar, escapar, reproduzir e só ser. Para criar peixes é preciso não apressar etapas, deixar o tempo se liquefazer.
 
  Para criar peixes é preciso abdicar do controle total. Ainda que a temperatura da água possa ser controlada, a iluminação artificial instalada, a alimentação medida e cronometrada, há sempre a possibilidade de intercorrências marcarem o destino e estabelecerem novas maneiras de criação. Criar peixes é também existir de um outro jeito. É criar um humano que cria.
  Para criar peixes sem matá-los é imprescindível não exagerar na dose de cuidados, não querer sufocá-los nas águas muito límpidas, com os termômetros, os filtros e bombas hidráulicas. É salutar não ter os olhos nos peixes por muitas horas, é preciso também saber esquecê-los.
 
  Para criar peixes, às vezes, é preciso desistir. Se nas horas, nos dias, nas semanas e nos meses em que mantê-los em cativeiro uma dor ameaçar aparecer, é melhor não continuar. 
  Talvez o mergulho tenha ensinado o amor aos peixes e isso se sobrepõe a criação deles. Amar peixes não é criá-los. Amar peixes não é tê-los consigo ou sempre em volta. Amar peixes não é decorar suas casas, iluminar cavernas artificiais ou dar um nome a eles. Amar peixes é desconhecer tudo sobre eles e só uma vez ter os olhos neles, mas nunca esquecer do brilho metálico de suas escamas.
 


 

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