Todos os domingos, caminho por duas belezas, com um intervalo peculiar entre elas. A ponte é o feio, o indesejado, a passagem involuntária, onde meus pés duram pouco.
A beleza da saída é a familiar, paisagem consolidada de nuvens e raios de sol entre os prédios de concreto, pintados a cada dois anos, a depender dos condôminos.
A outra paisagem é um pouco mais bucólica, embora cercada de espaços boêmios, que mantêm suas portas ainda cerradas no horário em que costumo sustentar a atividade física mais duradoura da minha vida adulta. A verdade é que eu preferia nadar no mar, mas não aprendi e a geografia não me favoreceu na realização desse desejo.
Mais um domingo em que saio com a estratégia de tempo definida pelos caminhos conhecidos: a saída é um pouco mais lenta, a passagem deve ser mais ágil e na outra paisagem, exigirei menos dos músculos de novo. Depois, a volta. E a mesma dinâmica; ignorar a passagem, garantir que seja rápido o incômodo, o cenário que eu não procuro.
De saída, o plano manteve-se como há centenas de domingos: caminhada mais lenta, sob o céu azul de outono; rostos conhecidos e trânsito tranquilo. Depois, aumento um pouco a intensidade, para quando passar pelo entremeio, a fuga acontecer naturalmente. Mas, hoje, trabalhadores do departamento de obras da prefeitura faziam uma intervenção no quilômetro que eu sempre superei com facilidade. Então, tive que passar mais lentamente pelo cenário menos atraente do meu itinerário. Se nadasse, seria uma corrente, puxando o meu corpo e eu, tentando encontrar nela mesma uma maneira de sair sem esgotar a força dos braços e pernas. Uma aceitação da condição marítima, ao menos, por ora.
Passei, a primeira vez, pelo obstáculo, aumentei a velocidade e inverti a ordem que estabeleci há muito. Assim também deve ser para uma nadadora, que ao mergulhar no mar, aceita e aprende a inconstância das marés.
Quando, finalmente, atingi o topo do meu destino, pensei em mudar de itinerário. Outra rua, outras avenidas possíveis, também conhecidas. Mas senti, de novo, uma corrente entre as minhas pernas que me engendravam para a mesma linha marítima. Voltei. Afinal, o mergulho já tinha acontecido.
Retomo o caminho, sem a urgência das outras vezes. Aceito o que o domingo me dá. Oito trabalhadores, dois caminhões e dezenas de cones, dificultam a minha passagem, mas não inviabilizam a contemplação de uma paisagem que achava árida. Em um prédio cujas paredes estão tomadas de mofo, uma varanda com cortinas de crochê e vasos de plantas em uma prateleira delicada; ao lado, um palacete Art déco abandonado, deteriorado, ainda passível de beleza; construções pelas quais passei, por anos e, por escolha, desatenta.
Em frente a uma agência bancária, ao lado dos dois prédios, um homem pequeno, com as mãos no bolso de uma jaqueta velha, brilha na esquina. Possivelmente, a jaqueta passou por uma máquina de lavar e o material sintético foi arrebentado pelo agitador central, o incidente fez da peça uma vestimenta rara e inusitada. Faixas do tecido prateado saíam das mangas e esvoaçavam com o vento, em um efeito de plumas brilhantes.
O homem velho, calvo, de óculos de grau e fones de ouvido, olhava para a agência bancária como se fosse uma maravilha arquitetônica. Dizia coisas ininteligíveis e brilhava às oito da manhã de um domingo, na esquina que eu, até há pouco, ignorava.
Um homem, cujos braços pareciam ensaiar um voo, cujas plumas reluziam sob um sol ainda discreto, cegava a minha estupidez e declarava beleza na minha passagem. Bonita era a sua jaqueta defeituosa, brilhante a sua cabeça lisa e as penas que saíam dos seus bíceps e axilas, surpreendente era o seu olhar para coisa tão corriqueira, que é uma agência bancária. Por um minuto, eu abandonei o solo seguro e o desejo do mar e voei com ele sobre os prédios sujos, degradados, mas também bonitos, que eu não sabia como admirar. Por um minuto, eu aprendi o olhar que não sentencia.
Como se voasse com os olhos de Ícaro, caio do voo sem o susto da queda, que já era sabida, e nenhuma dor. Como se voasse com as asas de Ícaro, passo pelos caminhões, buracos, cones, homens uniformizados sem a pressa adquirida. Como se me pertencessem os planos de Ícaro, aceito a imprevisibilidade dos ventos e assumo que as correntes também constroem destinos.
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