Ela é transparente, no melhor sentido, não dessas pessoas que se orgulham das inúteis grosserias distribuídas, em falsos embrulhos de sinceridade. Nem daquelas outras, ainda tolas e imaturas, que têm a necessidade de compartilhar com o mundo, até mesmo com quem não possuem a menor intimidade, o sentimento de cada segundo. A transparência dela é sutil, dessas da ordem dos sentimentos mais profundos. Bastaram duas ou três frases um pouco mais melancólicas nas redes e suspeitei de certa tristeza. Nas primeiras duas frases, optei por ser omissa; é o que temos feito tantas vezes com a desculpa de "dar espaço", não ser invasiva. Até pode ser uma valiosa regra social quando o triste não é íntimo, mas entre eu e ela não há mais necessidade das tais regras, já estamos em um outro nível. Ultrapassei o limite da boa educação e segui mais adiante no terreno já conhecido da amizade; perguntei e ela respondeu exata, sem rodeios, como só os transparentes fazem. Havia sim uma tristeza.
Revelou-me pouco, porque a comunicação era virtual e já tínhamos encontro marcado, mas alertou: é coisa boba, que magoou, porque sou dramática, você vai rir quando eu contar.
Meio da semana, éramos de novo três. O trio do intervalo do colégio, mais de uma década depois e tantos sentimentos permanecem intactos. O vinho sem taça, a filhinha simpática, o medo do cachorro, a intimidade naturalmente restabelecida. Há relações que crescem como vegetação silvestre, sem necessidade de cuidados intensivos, só a natureza como adubo. É fácil, é confortável, é tranquilo, basta estar lá, que acontece. Depois do jantar, dividimos revelações como sobremesa, meu paladar guloso ainda saboreia um doce, as outras satisfazem-se de sorrisos. Chega a vez do drama dela, daquele bobo que me faria rir.
Sua mágoa, embora ainda não superada, já havia se arrefecido. O tempo dá a distância necessária, para sermos mais racionais com relação a determinados fatos. A coisa toda havia se passado em uma mesa de bar, não havia durado sequer um minuto. Desatenção, descuido, uma pequena confusão com as palavras e o drama dela nascia. O amado, em uma conversa descontraída, havia sugerido que a beleza dela era algo mediano. Ofendida ela ainda requisitou explicações; pressionado ele atrapalhou-se mais. Para a infelicidade, de ambos, a comunicação mal sucedida, fez de um simples embaraço, um motivo de melancolia.
Contou-nos o fato e sorrimos sim, mas como fazem os bons amigos, que quando não são capazes de curar uma dor, compartilham-na, também nos ofendemos e demos toda razão ao seu drama. Porque qualquer drama, seja ele de que natureza, dimensão ou duração é passível de sofrimento e choro. Ás vezes, o que mais precisamos quando nos magoamos é de alguém que valide as nossas lágrimas e não que diga que é bobagem, exagero e que vai passar. Oferecer um ombro para chorar, frequentemente, é mais eficiente do que um lenço de papel estendido ou a tentativa de racionalizar uma mágoa.
Acho que a questão se resolveu, acho que ambos se entenderam. Seja como for, espero que saiba querida, o que ele quis dizer, mas não obteve sucesso é que a sua beleza é daquelas profundas e delicadas. Não agride, não ofende, não causa atropelamentos, é beleza de luminária chinesa, não de holofotes, ilumina aos poucos, sem cegar. Beleza genuína, sem enganos, sem máscara ou maquiagem. Seu amado te acha linda e não soube dizer. Perdoe o desacerto dele, o talento com as palavras sempre foi mais seu. E caso novos dramas apareçam não os substime, não se sinta boba, sofra o necessário e volte a sorrir como você sempre faz.
8 comentários:
O tempo atenua tudo e ajuda as ver as coisas com o discernimento necessário:)
"Às vezes, o que mais precisamos quando nos magoamos é de alguém que valide as nossas lágrimas e não que diga que é bobagem, exagero e que vai passar."
Perfeito =)
Sua sensibilidade é de uma leveza contagiante ^^
Beijos!
Êêê Zi...obrigada pelo elogio...você sempre tão simpática! Beijos
E não é?
Amanda, descobri por acaso este blog, gostei bastante da forma como escreve... texto cheio de pequenas ilustrações e nuances que dão um ar poético e pessoal (aparentemente) à narrativa, mas sem perder a objetividade do tema proposto. É dessa forma que tento fazer no meu blog, as vezes consigo, as vezes não. rs. Voltarei mais vezes aqui.
Que bom que achou, que ótimo que gostou, Ricardo Henrique!Retribuirei a visita...rs
Estamos em 2017 e ainda me emociono sempre que leio.
<3
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