sexta-feira, 12 de julho de 2013

Deve existir

  Do outro lado do muro uma mão ansiosa buscando outra mão; do outro lado do rio um solitário esperando um barco ou remo, que seja. Do outro lado da costa alguém esperando a resposta, aquela para qual ele nem sabe a pergunta. Do outro lado da rua deve existir uma velhinho orgulhoso atrapalhado com o trânsito: - Quem virá ao meu encontro? Do quarto escuro, um insone, esperando o dia clarear; do outro lado do palco, alguém com o figurino para ser trocado; do outro lado do oceano alguém esperando uma carta, em uma garrafa. - Ela deve existir. 

  Em Tóquio, um homem, que não aprendeu a rezar,  espera  um milagre; em Lisboa, está uma mulher a espera de um filho, que nunca gerou; em Porto Alegre, alguém espera alguém que nunca conheceu, mas que deve existir. A angústia espera a paz que nunca chega; um cachorro de rua, espera um lar; o criminoso a redenção; porque ela deve existir.

 Em meia hora alguém espera uma mudança definitiva, profunda, que não veio em décadas, mas que hoje poderá vir. Da outra mesa, um jovem pede uma bebida, mas deseja mesmo uma palavra, aquela desconhecida ainda, pela qual ele anda todas as noites, em todos os bares da cidade, tenta ler em todas as bocas, mas que ainda não chegou. Da poltrona ao lado, no ônibus de todos os dias, a senhora busca um rosto, aquele rosto que ao vê-la, a reconhecerá, se alegrará e ambas as faces descerão juntas no próximo ponto e nunca mais serão solitárias.

 Na padaria, alguém quer mais que pão; no consultório, alguém sonha além da saúde; na livraria, um homem não se contenta com o que pode ler. No apartamento, do terceiro andar, a ligação da operadora, poderia ser pessoal, passional, nominal. Na reunião de condomínio, gente interessada nos sentimentos do vizinho, no barulho estranho que vem do peito do morador ao lado; na fila do banco, um homem espera para depositar suas esperanças, logo atrás dele a moça pálida, vazia, com a bolsa pesada, deseja resgatar as suas já esquecidas há tempos. Deve existir.

 Quem procura o que não sabe, quando encontra reconhece. Isso é ter esperança. Enquanto alguém insiste em não desistir, duas novas estrelas nascem em algum lugar no infinito, mas se alguém, por um acaso desses, desiste de esperar, somente meia estrela se apaga, porque ela também sabe o que é esperar para ter e ela espera. Espera que o descrente volte a acreditar e quando isso acontece, a meia estrela iluminada, acende a parte apagada temporariamente. Todos esperam, todos querem muito nunca desistir de esperar e é por isso que deve existir. É claro que deve. Tem. Um dia outra mão, um barco ou remo, a resposta, alguém que atravesse o velho, a luz, o outro figurino, a carta na garrafa, o milagre, o filho, alguém, a paz, a casa, o perdão, a mudança, a palavra, o rosto, algo além do pão, da cura para enfermidade do corpo, além do que se lê e vê, o telefonema...deve vir, tudo isto já existe, porque a espera dá vida ao que ainda não conhecemos.



Um comentário:

Ana disse...

Agora fizeste lembrar-me de um texto que li à pouco tempo e que dizia exactamente que devemos esperar o que nos aguarda porque acontece. Não era aquela coisa de estarmos sentados à espera que a vida se resolva mas não fazermos muitos planos detalhados porque a visa quase sempre nos troca as voltas e leva-nos aonde devemos ir mesmo que a gente não faça ideia