quarta-feira, 3 de julho de 2013

É só um garoto

  Já foram quatro ou cinco encontros, desses de ver a pessoa na rua, sem conhecer, sem marcar, só estar
passando e de repente o sujeito passar. Não sei se já nos "passamos" outras vezes, mas a primeira vez que eu o notei ele passava por mim, enquanto eu fazia a caminhada diária, e gargalhou muito forte. Não me pareceu simpatia ou alegria, deu-me um frio na espinha somente. Logo eu que gosto tanto de sorrisos, daquele eu não gostei. Achei ironia gratuita, mas depois interpretei como coincidência ou algo assim.

  Da segunda vez que o vi, ele já estava muito próximo, e mesmo em uma avenida larga, ele passou com a face a centímetros da minha e gargalhou de novo, dessa vez, não senti frio algum, pelo contrário uma energia quente e raivosa subiu pelo meu corpo. Não fiz nada. Só segui e tive a certeza de que a gargalhada não era  bem intencionada, tampouco era despretenciosa. No mesmo dia, comentei com a amiga do que tinha se passado e emendei com a seguinte constatação: de repente, a gente dá um surto, bate em alguém e ninguém entende.

  Sim, já desta segunda vez as gargalhadas de um desconhecido tiveram um poder incalculado sobre mim. E pensei mesmo que ele merecesse uma bofetada. Embora jovem, ele não me parece muito mais novo do que eu, é franzino e ainda ostenta um par de óculos. Eu que não tenho lá grandes experiências em luta corporal, sou bem alta e tenho mesmo muita força nas mãos, especialmente quando estimulada pela raiva. Pensei no soco, no óculos no chão e na minha raiva materializada em um belo hematoma. Tudo isto depois do segundo encontro com um desconhecido. E eu é que não me reconhecia mais.

  Desde então, decidida a não encostar-lhe um só dedo, porque nunca achei que fosse o caminho mais razoável e verdadeiramente libertador, pensei também em retribuir com ironia, esta mesma que ele insiste em me oferecer diariamente; mas ofender a quem ofende é sempre menor, porque eu não estava preparada para receber as suas primeiras gargalhadas, mas ele, com certeza, está preparado para as piores respostas; estarei oferecendo o que ele quer. Pensei então, em mudar o itinerário que tenho feito há anos, outras ruas, outro lado da rua, só mesmo para não ter que lidar com esta situação bizarra, mas ela existe. Sempre existiu.

  Também outras vezes, já tive que lidar, e por tempos maiores e com bem menos preparo, com olhares, gargalhadas, comentários gratuitos, por nada, só por estar ali. Não sei e nunca vou saber o que se passa com alguém que voluntariamente despeja sua infelicidade sobre os ombros de quem não conhece. E ainda dizem que a ironia é a arma dos inteligentes. Não é verdade. O inteligente não anda armado; ele sabe  que aquilo que possui já é o suficiente para possíveis batalhas.

  A ironia é só uma tentativa atrapalhada, dos covardes se protegerem  de sua própria miséria. Passados alguns encontros, decido continuar o mesmo caminho, não evitarei qualquer gargalhada, porque ele é um garoto e é infeliz. E só isto, já me parece bastante pesado.





Um comentário:

Ana disse...

Que coisa horrivel. Há gente tão infeliz e vazia de conteúdo e de vida que, em vez de ocupar o seu tempo com algo produtivo, prefere gozar com aqueles que têm o que gostavam de ter: uma vida e amor próprio.