terça-feira, 19 de novembro de 2013

De uma firme fragilidade

  Na sala do apartamento todos assistem ao programa policial da noite. Frequentemente, recuso-me a ver a brutalidade midiatizada, mas me detenho por um minuto e o que vejo na TV é a ingênua declaração de um pai conformado, calmo, com um semblante plácido, que quase não chora pela descoberta de um filhinho morto. Nem a mim, que não conheço, minimamente, as personagens, a tragédia é recebida com aceitação; imagine para um pai, que perde o filho? Sinto em advertir, mas não vai ser para sempre assim: essa mansidão, essa dor fina, essa aceitação pacífica, esse olhar tão doce. Já assisti outros pais perderem os filhos e, em um primeiro momento, durante o impacto dos acontecimentos, parecerem fortes, consolados, demasiadamente espiritualizados, mas em pouco tempo, sucumbirem a humanidade da dor. Não há outro meio de se viver um luto. Todos têm direito ao grito, à revolta, ao olhar insano, vazio, aos gestos irracionais, ao soluço descontrolado, ao meio minuto de falta de fé, a indelicadeza de um rosto manchado, molhado, sofrido, ao desejo de vingança, dor latente no peito. 

  Se tivesse alguma possibilidade de escolha não adiaria nenhum luto, não protelaria uma dor. Há de se viver tudo, inclusive as mágoas, com intensidade, no tempo e espaço em que elas nos requisitam. Mesmo quando a tragédia é menor, a escolha por viver a dor, no momento dela, parece-me a melhor opção. 

  Escondemos choro por gentileza, evitamos a tristeza pública por educação e bons modos, fingimos aceitação e fortaleza, porque buscamos sanidade, o olhar orgulhoso e despreocupado do outro; e que grande loucura é isto. Toda dor precisa de espaço, do afago, de quem sente e de quem assiste, necessita de um campo, limpo, adubado, para crescer, amadurecer e, então, finalmente morrer. Não se ignora um processo elaborado desses, afinal, só morre, o que não é impedido de nascer. 

  Por outro lado, valorizá-la em demasia, "dar palco" a uma dor muito miúda, é arriscar a própria dignidade e capacidade de regeneração. Corremos o risco altíssimo de nos acovardamos diante dos detalhes, das melancolias mais singelas, das dores que não precisariam de pouco mais de um ou dois dias para falirem, mas que de tão públicas, "ficam em cartaz", por meses; falta de assunto talvez. E dá-lhe canastrice para segurar o drama todo!

  Como tudo na vida, há de se ter equilíbrio. Esse exercício aprendi no ioga, mas são ensinados em tantos outros lugares: flexibilidade o bastante para dobrar-se, mas não a ponto de quebrar-se. Até para dor há um limite, se pouco, não alcançamos o bastante, nunca conhecemos até onde o sentimento pode ir e, se muito, o risco  passa a ser o de não conseguirmos regressar, não encontrarmos o caminho de volta. Um dia aprende-se este tempo, esta medida, enquanto isso, a maquiagem borrará por dias, por muito pouco e o meio sorriso ensaiado disfarçará um coração em pedaços e uma mente intranquila; há de se ter algum tempo, também, para os aprendizados mais importantes.







Um comentário:

Ana disse...

O nome do meu blogue é o titulo de um livro exactamente sobre a perda de um filho, é brutal, acho que não vou voltar a ler outro livro que me marque tanto e nem tenho filhos!
Eu sou daquelas pessoas que prefere sofrer sozinha, fazer os meus lutos comigo mesma e junto aos outros sou a forte, mas quando é aguém assim tão próximo não aguento...