domingo, 17 de novembro de 2013

Se não for para ser verdade, melhor é não vir.

  De todas as possibilidades de escolha que as pessoas têm dia após dia, existe a opção equivocada de não serem elas mesmas. Esta é sem dúvida a pior de qualquer escolha. 

  Nos inícios dos relacionamentos, por vezes, é o outro quem enxerga o que não somos; completamente compreensível, já que tempo e convivência  aprimoram nosso olhar, retiram lentamente as ilusões com as quais vestimos o outro. Mas e quem escolhe, voluntariamente, apresentar uma personagem fabricada, inventada, construída diariamente com pequenas, "inocentes" e definitivas mentiras? Deseja amor, aprovação, respeito pelo que não se é?

  Não acredito nas "mentiras brancas", naquelas singelas invenções que dizem nascerem, para proteger o outro de uma verdade dura. Mentiras não têm cor, não têm hierarquia, tamanho ou textura, não existem melhores, menores ou mais leves. São todas de uma mesma espécie, são minas terrestres esquecidas em campos abertos, com a possibilidade sempre iminente de explodirem, deceparem meias relações ou matá-las por inteiro. Completamente. 

  Socialmente, estamos acostumados a uma profusão delas, aceitamos uma ou outra, de recém conhecidos, de profissionais eventuais que nos atendem,  de quem mal nos conhece. Porque não há comprometimento, afeto, intimidade. Mas nas relações de maior proximidade, a mínima invenção nos faz desconfiar de uma história inteira, de juras, promessas, sorrisos, elogios, declarações, nos faz, inclusive, mais incrédulos no que diz respeito a própria pessoa: conhecemo-nos bem? É ou não real? Quem é a pessoa com quem compartilhei a garrafa de vinho, meu sabonete, a poltrona da sala, o filme alugado, minhas inquietações mais profundas? Existe ou é inventada?

  E depois da descoberta, há possibilidade de recuperação, de criarmos uma relação, integralmente, verdadeira ou a desconfiança virá nos visitar às três da tarde de um dois de fevereiro de um ano qualquer? E quando tudo parecer resolvido, o telefonema não atendido, o atraso, a estória insólita nos magoará novamente? E a memória, aparentemente adormecida, acordará para trazer de volta cada farsa? Não sei, nunca saberemos.

  Mentiras, sejam elas de quais cores queiram pintá-las, só servem ao propósito desencantador de protegerem os covardes, de alimentarem perigosamente a vida inventada da qual não conseguem se ver livres. Os presos neste emaranhado "inocente" de pequenas mentiras, afastam lentamente quem os amaria por cada parte falha de si; só por serem e se mostrarem como verdadeiramente são. As mentiras nos roubam a mágica possibilidade da conexão genuína, assassinam certezas, fabricam alegrias passageiras, alimentam mágoas e desconfianças. Se falar a verdade parece duro, descobrir uma mentira é infinitamente mais doloroso. A melhor escolha é ser quem se é, mesmo quando for difícil, e só aceitar o amor que oferecem-nos por isto. Se não for verdadeiro, melhor mesmo é não ser nada. Afinal, é nisto que uma mentira resulta: ausência.




Um comentário:

Ana disse...

Escrevi um comentário antes mas aconteceu algum problema e acho que não vai aparecer...
Eu acho que o amor é a outra pessoa conhecer-nos como realmente somos, sem artificios e nos aceitar exactamente assim, com a bagagem toda.
Também acho que respeito e confiança são a base de qualquer relação, quando a mentira aparece, a confiança desaparece...