quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

E por nada...um soco no ar!

  O cinema é o culpado, a literatura - Veja você, até os inofensivos livros, especialmente os de Austen - também contribuiu para a criação de um imaginário mítico a respeito da felicidade dos grandes momentos. As alegrias que acontecem sob um clima específico, inebriante, avassalador. Para as magníficas comemorações, roupas, músicas, decoração (Mrs Dalloway, comprando flores para as grandiosas festas que dava, para encobrir seu silêncio); para os grandes amores, personalidades imponentes, como Mr. Darcy e Elizabeth. Então, fecha-se o livro, desliga-se a TV e a vida aqui fora, que não se parece em nada com aquela sonhada.

  As surpresas reais modificam planos, transformam itinerários e alteram os humores (quase sempre negativamente), os grandes acontecimentos vêm, quase sempre, travestidos de rotina (Quem poderia imaginar que naquele momento ordinário a vida se modificava?), o amor que não pareceu grande, porque os olhos não puderam enxergá-lo assim; olhavam mais a frente, a procura de um outro maior. As grandes coisas acontecem na segunda-feira à tarde, a vida real não espera o cenário ideal, não dá tempo para elaborarmos grandes diálogos, as palavras saem mal, são gaguejadas, os argumentos não terão coerência, mesmo assim, este é o momento nosso de cada dia. Não parece grande agora, porque só nós temos acesso a ele, mas um dia, quando quase formos outros, aí sim ele ganhará a aura singular que merece. Que trágico é chegarmos com este atraso nas nossas próprias vidas; algumas vezes, essa demora será definitiva, impossível de reparação.

  Aprende, a felicidade genuína não chega em um cavalo branco, vem por outras vias menos expressivas, bicicleta velha, ônibus lotado, carro quebrado; para as grandes comemorações não há tempo, nem preparo, celebra-se no elevador ou no meio da rua, entre estranhos; grandes encontros não esperam por jardins perfumados, sofisticados salões ou corridas de cavalos, acontecem na fila do pão, na sala de espera do acupunturista. 

  Alegria real nasce de um elogio inesperado, um ônibus pontual, quando precisamos chegar na hora ou atrasado, quando perdemos o horário; por  um beijo doce  no rosto, um tratamento delicado, um sorriso a nós dirigido. A comemoração precisa ser diária, sem adiamentos, sem preparação especial. O que você comemorou hoje? Aconteceu agora...tá acontecendo...Sem orquestra, sem grandes figurinos, com textos fracos, basta-nos um pulo, um soco no ar, um gritinho infantil, o sopro em uma vela inventada, um brinde com água e então a vida agora é celebrada, sem esforço, só presença e consciência. Não se atrase, apareça, porque a festa é mesmo sua.



Um comentário:

Ana disse...

em cheio, a realidade é bastante diferente, a literatura e o cinema servem mesmo para nos abstrairmos por momentos da realidade, mas a realidade é sempre melhor, é mais dura, mas é melhor.