sábado, 18 de janeiro de 2014

E antes de entender o pássaro, voe

   Não sei quanto sofrimento uma pessoa pode aguentar. Quando me perguntaram isso, há muito tempo, eu só disse um parco e inconclusivo "depende" e , à época, me pareceu mesmo ser a melhor resposta. Achava que dependia do tipo de sofrimento, do grau , da frequência com que ele acontecia (era eventual ou recorrente?)  da personalidade da pessoa a qual o sofrimento era imposto (muito ou pouco frágil?), das condições em que ela estava (se sozinha ou cercada de apoio), as variáveis me pareciam muitas e levavam meu pensamento a uma infinidade de hipóteses. Hoje, especialmente agora, eu diria só um : - aguenta até não poder mais. Não há maneira segura de saber nada. Nada é definitivamente, tudo é só transitoriedade.

  Pego a prova de sexta, acho que sei as respostas, mas não sei se vou bem. Cansei de pensar se sim ou não, nem um talvez. A gente passa tanto tempo debruçado sobre os livros e quando sai deles a vida é tão outra. É claro que eu não conto isto a ninguém, é claro que eu tento convencer a quem quer que seja, que é assim mesmo, que as coisas vão ser exatamente como o planejado, o estudado, o copiado. Mas a vida de fora, essa a qual tanta gente tem evitado, é infinitamente menos previsível ou reta como o modelo visto, por isso, talvez o gosto pelos livros. 
"- Eu sempre gostei de manuais, leio todos, absolutamente todos e então, depois de ler, nada mais tem mistério".  Ela me conta no ônibus da volta. Sorrio e compartilho da necessidade de segurança. E quem não quer estar seguro? Mas nada na vida é assim ou é? Eu penso, mas não digo. Um dia, ela também saberá, não sou o manual que irá apresentar a ela essa parte do funcionamento das coisas. Nela vejo o meu passado, o meu ontem ou duas horas atrás. Eu hoje já não leio os manuais.

   O melhor de todas as teorias, são as experiências que partem delas, só isto é o que realmente levamos. Melhor que entender sobre alguma coisa é fazê-la. De que me adianta o entendimento hipotético da vida, se o melhor é a prática? Todos na sala, que acabo de entrar, estão cercados de teorias e por isso parecem seguros, desenvoltos, bem resolvidos, sabem muito, estão atualizados, dão opinião sobre tudo e sabem, até, como serem sociáveis, trocam elogios, teorias, nomes de livros, filosofias, aqui são um sucesso e isto é o que eles não sabem: aqui. Saio dessa experiência, como quem sai para comprar pão, nada é novidade, nada afeta, nada é diferente. E nem volto com os pães.

  Ela olha ao redor e não entende nada, logo ela que gastou tanto tempo tentando entender; seu sofrimento parece não ter limite, continua tentando, tentando, tentando. Talvez, se ela entendesse menos de pássaros e se esforçasse mais em voar...Penso, não falo. Não vou ser como ela. Não vou mais pensar, talvez fale mais. Ou voe, sem manual, sem teoria, é abrir as asas... E não saber do fim. Ninguém sabe. Ninguém conhece o limite algum, até chegar nele.




Um comentário:

Ana disse...

o sofrimento é das experiências humanas mais desafiadoras que existem, há pessoas que não aguentam nada e há pessoas que aguentam praticamente tudo. mas é como dizes, só quando estamos perante o sofrimento é que vamos encontrando o nosso limite e normalmente aguentamos mais do que pensamos.