sexta-feira, 28 de março de 2014

De que servem os dias ruins?

  Não há nada de especial que faça um dia ser ruim; nada é absolutamente necessário para que se decrete a falência total de um dia, talvez, a falta de algo especial até contribua bastante para este tipo de fracasso. Em um dia ruim nada é bom: as peças não se encaixam, a música não toca, o ônibus não vem, o salário não dá, o riso se esquece de sorrir, os sapatos que torturam os pés, o cachorro que avança, a carta errada que chega, a certa que nunca vem, as chaves que somem dentro da bolsa, o amigo que trai, o amor que não nos enxerga, o sinal que nunca abre para a vida acontecer. Um dia ruim é um semáforo quebrado para sempre no vermelho, não avançamos nunca, a vida corre lá fora e você parado, preso, condenado pela luz que não muda só para você.

  Um dia ruim é triste, é algoz de chicote na mão, humilhando a vítima, desafiando seus brios, dizimando mil paixões, apagando o fogo que alimenta um coração. Mas, por outro lado, os dias ruins também garantem algumas serventias, guardam, em lugar escondido, aprendizados valiosos.
O dia ruim nos faz olhar solenemente para a vida que estamos construindo, com olhos honestos, verdadeiros, sem falsas expectativas, sem as mentiras que gostamos de nos contar todos os dias. Faz de nós, artistas solitários no camarim, antes da maquiagem, diante do espelho, sem aura alguma de celebridade, somos o que somos: com as olheiras, as marcas do sol, as sardas herdadas, a falta de brilho e de cor. Os dias ruins nos presenteiam com a realidade.

  Os dias ruins nos fazem mais humildes, porque admitimos nossas falhas, a nossa falta de beleza, a nossa banalidade diante de mundo grande demais. - E como somos pequenos aqui! Fazem de nós, também, frequentemente, mais generosos. Porque diante da melancolia de um dia errado, nos esforçamos para colaborar com o bom dia alheio: facilitamos o troco, abrimos o caminho para a passagem apressada do outro, não reclamamos o pedido que veio errado, porque, afinal, o dia ruim é meu, é tão meu, que todos erros me cabem a culpa.

  Um dia ruim ensina gratidão para com todos os anteriores, que foram bons dias. Valorização, às vezes, tardia, mas ainda assim, do fundo mais fundo de uma alma. Gratidão também honesta. 
O dia ruim facilita a percepção de verdades que encobrimos: a falta de alguém que se ausentou, mas que era muito importante para que o nosso dia fosse bem sucedido, a presença de gente que há muito já deveria ter partido, que não acrescenta, só puxa, atrai para o chão mais fundo, mais sombrio e infeliz.

  Os dias ruins são nuvens cinzas, que insistem em encobrir qualquer possibilidade de arco-íris. Mas são, também, um nuvem de grilos verde-esperança;  uma promessa inventada de que um mesmo raio nunca cairá de novo, em um mesmo lugar e que, talvez por isso, os próximos 364 dias serão dias bons. Os dias ruins servem, sobretudo, para a gente ir dormir com uma esperança danada de um bom amanhã. Que assim seja: que cada dia ruim nos possibilite trezentos outros bons.



2 comentários:

Ana disse...

Há dias em que parece que tudo conspira contra nós. Como se costuma dizer são os dias em que mais valia termos ficado a dormir. Mas tens razão, são esses maus dias que nos fazem valorizar os bons.
beijo

Amanda Machado disse...

:)