terça-feira, 3 de junho de 2014

Sabe-se lá quanto desperdício cabe

  Cabe-se muito em um minuto e quase sempre não nos apercebemos desses valores incalculáveis, perdidos por descuido. Fazemos de cada segundo uma espécie de obstáculo a ser ultrapassado, atravessamos a vida, quando deveríamos ser, por ela, atravessados. Tomamos os minutos como blocos em branco, que se completam somente para chegarmos a um outro lado sonhado; que nem sempre chega, que nem sempre é tão bom quanto o imaginado. Pisamos, sem pudor algum, em blocos que nem sempre nos levam a um lugar, porque quase sempre os blocos já são os lugares. Perdemos muito tempo, pensando em outros tempos: futuros, passados; noutros minutos que nunca nos pertenceram. Pensando em projetos compartilhados, mas que no fundo são só nossos, sonhos que só cabem em nós, na solidão de um coração que quase nunca pode ser visto por quem escolhemos.

  E por menos de um minuto a professora da série infantil vê o perigo que a sua criança corre e não pode fazer nada para evitar uma queda, por um minuto ela assiste, espera, aguarda que o tombo não traga maiores consequências, mas não há tempo para evitar acidente algum, depois, o choro e finalmente, a superação. Susto maior é o dela, porque o choro infantil quase nunca dura, as crianças sabem como ninguém como não desperdiçar tempo algum, aproveitam tudo, cada segundo, com entrega, com gosto, dão-se ao tempo sem nenhuma precisão de volta. A criança nos braços dela conhece instintivamente que o tempo não devolve troco, não pode ser estocado, poupado, racionalizado, não há sustentabilidade ao preservá-lo; neste caso, desperdiçamos o tempo que não usamos.

  E a professora que tem estado tanto tempo por aqui, assiste as horas, que parecem milésimos de segundos, a vida que não arrasta, mas atravessa, invade, tira-nos todos da cadeira macia e nos põe deitados ao chão, a todo instante, ensinando o tempo de levantar, não o do cair. O tombo é o hábito que nunca se aprende, cai-se sempre e não se acostuma, espera ou escolhe-se um melhor jeito de fazê-lo. Caímos sempre e de qualquer jeito. Em um minuto cabe-se tombo, susto, dor, choro, coragem, alegria e esquecimento; os minutos são largos, são grandes, são gigantes a espreita de alguém que os queira por inteiro.

  E na iminência de uma partida, desperdiçamos tempo lamentando o adeus que ainda está porvir. E eu que desperdicei o último minuto do meu pássaro, tentando fazê-lo viver, quando deveria ter sido grata pela vida que ele compartilhara comigo até aquele último momento. E eu que deveria ter aberto a gaiola, deveria ter libertado em vida, o que ele só conquistou com a morte, mantive-o dominado pelo que chamei de amor até o fim. Porque não entendia que o tempo superava nós dois e o nosso desencontro, não sabia que um tempo só chorado não abre espaço para deixarmos o chão. 

  Em um minuto cabe muito e tanto, que também, por isso,  desperdiçamos demais, porque queremos administrar, contabilizar, inventar prazos e rendimentos para aquilo que calculadora alguma reconhece. Em segundos, uma criança desceu do acolhimento quente de um colo e voltou ao pátio e ao brinquedo que a derrubou; não há o que temer. É só um tempo deixando-se ser devorado por uma criatura faminta, que inventa seu próprio jeito de superação, por alguém que sabiamente rejeitou os blocos brancos e já está onde, quando e com quem gosta de usar seus dias. Sem olhos para o futuro possível, sem lamentos por um tombo próximo; é só o tempo sendo gasto, muito bem gasto por uma alma colorida.




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