sábado, 7 de junho de 2014

Quando a tiraram para dançar

   Parada ali, meio sem graça, sem saber muito bem onde colocar as mãos, depois de lhe tirarem a bolsa e dizerem para ficar à vontade, a ironia é que quase sempre a frase provoca justamente o inverso. Já recostada na parede, sem conhecido algum, sem um rosto familiar, sem bolsa agora; sem saber quem se é, no meio do desconhecido. E nessas horas tudo o que se quer é alguma referência, alguém a quem sorrir, com quem falar sobre o tempo, perguntar as horas. Então, uma mulher se aproxima e a salva com um copo de refrigerante, gelado, dulcíssimo de arder a garganta - nunca um refrigerante ruim fora tão desejado. Diluiu meia insegurança no guaraná e aproximou-se de uma mesa, sorriu, pediu licença e simpática até, foi muito bem recebida. 

  As canções antigas, que já tocavam antes da sua chegada, começam a embalar o primeiros casais no salão, uma gente mais madura, mais descolada, mais disponível. Logo tiram-na da sua solidão de invasora e colocam-na no centro de interesse, em minutos, tem mais amigos no salão, do que fizera fora dele uma vida inteira. Mas, os novos amigos não se detêm em conversas, estão ali, sobretudo, para a dança. E ela para a observação de pesquisadora. Cada um com seu papel bem definido.

  Mas foi quando se sentia verdadeiramente à vontade, quando perdia seu olhar nos passos dos casais, quando não se importava mais com o que era ou não, nem com o que fazia ali, que alguém a salvou pela segunda vez na noite. Desconcertado, tímido, um homem com quem ainda não trocara nem palavra, nem olhar, aproxima-se, pega-lhe a mão gelada e ela não nega-lhe a dança que desconhece. Formam uma dupla dissonante, desritmada, sofrível de dançarinos, mas são completamente autorais, genuínos; e era engraçado assistir tanto descompasso: iam para o fundo do salão, quando todos estavam ao meio e voltavam para o meio, quando todos seguiam para o fundo. E eram dois errantes rodopiando pelo salão, atrapalhando os hábeis bailarinos, despertando a ira do organizador, recolhendo sorrisos por onde passavam, os maus dançarinos têm a simpatia de quem entende que estar sempre certo é intenção desperdiçada. Dois ídolos doidivanas,trôpegos, mas resistentes.

  E ela que gostaria de dizer-lhe não, que gostaria de explicar-lhe: -  Olha, é que nunca tive ritmo, moço, nunca tive alegria quando os outros sorriam  e quando a vida era triste eu cismava era de ficar contente. Eu canto parabéns errado, por isso, quase sempre tranco a voz, imito os outros, mexo os lábios e escondo a minha própria música. Eu já morri de rir em muito velório - e não era de nervoso não! - , já chorei de melancolia em casamento e mesmo que goste muito de festa, todo aniversário meu eu planejo fuga. Nunca fui capaz  de tocar flauta, apito ou berrante. Sou sempre de outro tempo, moço. Não sei acompanhar nota nenhuma. Mas, não disse, guardou seu medo para si e enfrentou um salão, junto de seu par, desajeitado como ela. Suas desculpas não foram ditas, mas mesmo assim, o homem a perdoou.

  Ao fim da dança, seu parceiro disse-lhe que gostava de Minas, porque todos o chamavam de moço:  -  Porque aqui, em Minas, chamam todos de moço e moça, independente da idade, aqui o tempo é só um, a mocidade perdura para sempre. E disse ainda: gosto mais de Minas, porque tem moças como você. 

  Ela nunca havia gostado tanto do que era, mesmo sem saber ao certo quem era, como nessa dança, nessa música, neste instante. Ela também chamava a todos de moço e moça.

  Abençoados são aqueles que fogem do ritmo, porque é deles o poder da composição única. Felizes os que pisam no pé do parceiro a todo instante, mas que pedem desculpas sentidas e respondem com sorrisos abertos aos tropeços inevitáveis de uma contradança. Foi quando a tiraram para dançar e mesmo ela não sabendo, que descobriu que ritmo se inventa, não precisa só ser obediente a tempo algum. Porque é  na desobediência que as novidades nascem. Foi quando a levaram para o meio de um salão, depois de um copo cheio de refrigerante, tomado em dois goles longos, que abandonou a observação e passou a fazer parte do instante. - Moço, obrigada pela dança. Obrigada por dançar errado comigo.











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