segunda-feira, 13 de julho de 2015

Não chegamos todos os dias

  O homem que instalaria a TV não veio hoje, esperei-o a tarde toda, mas ele não veio. Também não liguei para o número que ele me deu, nem mandei sequer um email, não cobrei o cumprimento do compromisso, só aguardei. E mesmo quando na terceira hora de espera já achava que ele não viria, ainda assim resisti e esperei por ele que não veio. Já não me importava tanto a TV, os canais, a programação ou a série nova que começa agora que estou de férias, mas a promessa de chegada e o descumprimento dela foi o bastante para me abater. Durmo descontente. 

  Amanhã chegará o homem aqui com uma desculpa qualquer, fico com pena, me identifico com a sua dificuldade e acabo eu, pedindo desculpas pelo incômodo, depois de oferecer café fresco e os biscoitos que comprei na padaria nova. Mas até lá, escrevo um email incisivo, ameaçando o término do contrato, uma reclamação aos órgãos competentes e enumerando os prejuízos causados pelo descumprimento do prazo. Mas não o envio, porque a minha decepção, de fato, não tem a ver com a instalação da TV, tampouco com a vinda do técnico que ligaria uns cabos e me deixaria entregue ao melhor do pior da TV internacional. 

  O homem que agendou a vinda e não veio fez o que eu tenho feito todos os dias, quando perco o tempo do embarque ou os pés doem e eu não consigo ir até o final, sem interrupção; como a vida tem feito com a gente há tanto tempo e não ousamos email algum desaforado, porque achamos que a culpa do desencontro é toda nossa:
- Talvez não enxerguei. Ou não lutei o suficiente. Deveria ter esperado por mais uma década. Minha impaciência afastou o destino de mim.

  E, na verdade, quase sempre não são a ansiedade pela chegada, nem a espera insuficiente as culpadas pela desistência do que achamos ser destinado a nós. Não veio porque não deveria mesmo vir, porque uma parcela grande do que achamos que é nosso por direito nem é, de fato, porque somos mais sustentados pela espera, pela possibilidade da chegada do que pela vinda efetiva. A espera é um legado que precisamos aprender, para só depois tomarmos posse. Acreditar na vinda quando ninguém mais nos dá esperanças, ficarmos de olhos atentos mesmo quando o sono quiser se apossar das nossas pálpebras, velar nos atrasos, desculpar, antes de qualquer pedido e resistir: à descrença, às experiências anteriores frustradas, aos atrasos sem avisos sucessivos. Resistir, inclusive, à certeza de que  não mais chegará. Engolir o desaforo da falta e seguir para outra espera adiante, sem ressalvas, sem dúvidas, entregar-se desmedidamente ao que nos faz avançar para algum lugar, ainda que próximo.

  As boas ofertas da vida não podemos escolher; é aceitar ou recusar apenas. Não quero descanso, quero a fadiga diária de saber que não chegarei e, mesmo assim, seguir tentando. Quero a incerteza infinita de que o destino me encontrará e, por isso, alimentarei com fartas colheres a espera. A inquietação da dúvida desacomoda, desgasta, testa os sentimentos guardados nas profundezas, mas é na suspensão que a alma se aquece. Melhor mesmo é nunca desejar só calmaria ou se esconder da confusão.
  Devia ter desistido da TV, mas como fazê-lo agora que a minha espera passa em cores na tela de plasma? Amanhã ou depois, o homem ausente de hoje chega e eu ofereço a ele um café. Depois do sono, seguirei  ao destino único, remotamente rejeitado, mas indispensável para a manutenção dos sonhos; esse mesmo, o da espera.



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