sábado, 2 de janeiro de 2016

Deitar sob a lua vai fazer muito bem

 E  chorando, chorando assim no primeiro dia do ano, nem parece auspicioso, mas é; vai ver que é. O celular nas mãos, o livro esquecido  sobre a cama, poesia abandonada pela notícia mais frugal de toda humanidade e, ainda assim, eu chorando. Porque era bom, porque era a alegria de saber que alguém crescia muito, mesmo longe de mim crescia. E a distância é a mais reveladora das lentes: de longe vemos tão bem, de longe o crescimento é ainda mais latente. Acompanhar um crescimento com os olhos muito colados, tantas vezes, nos rouba a surpresa, a aparente mágica do de repente, a sutileza do crescimento muito cuidado nos acostuma com os centímetros conquistados pelo caule de uma planta, mas se deixamos de vê-la por alguns dias, na nossa volta, ela parecerá tão outra, tão mais alta, corpulenta e afastada da condição de muda  vulnerável.

  Contente, esperançosa. Eu nasci na descoberta de alguém.

  E por isso chorei, porque vi daqui da minha janela tão distante dela, suas folhas ganharem os céus, seus caules e troncos se fortalecerem, assim num dia, sem o preparo diário de terreno, porque bem pouco adubei ou coloquei água sobre a sua terra. Só vi sua finura de folha verde sair da cova preparada e contemplava vezenquando suas folhas dançando nos ventos de outono. Agora, me dizem aqui, que é árvore já. De susto eu não morri, mas chorei foi bastante.

  Então hoje saí para caminhar e o seu crescimento me acompanhou a avenida inteira. Tudo parecia você. As portas se abriam e eu esperava você sair delas, os carros buzinavam para você, eu pensava; os sinais se abriam ou fechavam para você passar; o homem do mercadinho, a mulher com o cachorra na mão esquerda de blusa amarela também eram você. Pensava como agora você veria a vida, como iriam tratar você, como a olhariam e, principalmente, como você se veria. Pensava quem ou o que te salvaria todas as vezes que precisasse, porque o crescimento nos expõe mais, sabe? Quanto mais alta a copa de uma árvore mais suscetível aos ventos, à chuva, aos raios e aos bandos de pássaros ou enxames de insetos. O que a ajudaria a vencer os desertos ou a se salvar das enchentes? Quem a resgataria das faltas ou dos excessos, o que faria você voltar, quando não soubesse o caminho?

  A avenida pela qual caminho, enquanto penso em você, me salvou uma, duas, dezenas de vezes. Suas casas encolhidas entre construções comercias, os sobrados antigos, os prédios com seus apartamentos muito sofisticados, as pessoas que não conheço, os jardins que não são meus, os barulhos e os cheiros, tudo me trazia de volta do deserto ou me puxava das águas. Os livros e os poemas, as músicas que ninguém fez para mim também se aproximavam tão íntimas, tão conhecedoras das minhas ausências ou exageros, que eram capazes de me resgatar. Sabe, há coisas que nos ajudam a dizer quem somos, há coisas que não nascem para isso, mas são sim redentoras. E porque não são feitas para salvar é que salvam, porque tocam num lugar que nada ou ninguém mais é capaz de chegar.

  Porque, às vezes, vai parecer não ter escapatória, os arbustos todos, as árvores que a cercam até se parecem com você, mas não são. E vão pedir que fale, quando você não puder e quando disser que não os ama, perguntarão porquê não os ama, se disser que é amor, perguntarão porque você ama. E se você nada disser dirão que é fria, incapaz de amar alguém de verdade. Porque não entendem a leitura dos silêncios.

  E no meio da caminhada, encontrei uma conhecida que demorou muito a saber quem eu era e quando me viu, também crescida, chorou. Chorou como eu chorava por você ontem. E de um jeito muito afetuoso me abraçou, pediu desculpas pelo choro e depois disse: - Minha vida é só chorar. Não deu tempo de eu dizer que também chorei ontem. Nos despedimos e eu entendi que eu também surpreendia os olhos distantes de alguém.

  Sabe, eu ontem fiz uma prece fervorosa para você, como há muito eu não fazia, como há muito deixei de acreditar que alguém noutro plano me ouvisse. Pedi que se sentisse muito, muito feliz quando deitasse sob a lua, que mesmo sabendo que a alegria assim não duraria tanto, que soubesse que haveria sempre uma lua para  resgatar você nos dias mais difíceis. Pedi que a poesia, as ruas, as músicas que nunca fizeram para você tocassem seu lugar precioso, quando mais precisasse. Sabe, ontem, eu me senti nascendo de novo, porque na sua descoberta eu soube que a gente nunca morre por completo, porque aos olhos de alguém nossas folhas ganham o céu, senhorita. Eu ontem fiz a prece mais devota que eu podia fazer, pedi que a vida sempre viesse ao seu resgate e que a lua sempre te devolvesse a você.




3 comentários:

Anônimo disse...

Poxa vida, que texto lindo...
Voltarei aqui para ver mais belezas.
samarone lima

Anônimo disse...

Poxa vida, que texto lindo...
Voltarei aqui para ver mais belezas.
samarone lima

Amanda Machado disse...

Obrigada, Samarone. Fico honradíssima pela visita. Volte sim.