domingo, 19 de junho de 2016

Estar certo do endereço não nos prepara para o caminho

  Estar certo do endereço não nos leva ao destino. Antes tem o caminho, as conduções disponíveis, as condições possíveis, tem a poeira da estrada ou o asfalto quente. Tem a fome que perturba, a sede que nos testa e a saudade; de um tempo, de alguém que ficou ou de si mesmo, do que podia ser e não é mais. Estar certo do endereço não garante a entrada, nem o tempo de estadia. Pode-se chegar e não ter ninguém, ter esquecido a chave, bater, gritar e não atenderem. Dormir do lado de fora ou passar a noite acordado em vigília e ninguém nunca abrir. Ou, num outro caso, podem abrir a porta, oferecerem uma xícara de café e nos convidarem a seguir a viagem. Estar certo do endereço não garante o descanso, depois da chegada.

  Mas mesmo quando parecemos parados, partimos. Não há lugar em que nos assentamos em definitivo ou que a calma dure muito, tudo é travessia. A última sala do corredor não é o fim, é a continuação da passagem e nem nos damos conta. Abrimos a porta, pedimos água, relaxamos no sofá, olhamos pela janela, correndo lá fora, a mesma paz que nos visita por um minuto. Mas, não acaba na sala, voltaremos a nos levantar e a tomar outro caminho. Estar certo do endereço não nos livra da angústia do tempo, que passa demasiado rápido ou que se atrasa e caminha arrastado ao nosso lado.

  Estar certo do endereço não nos protege da dúvida na leitura das placas, do abandono do sofá e da água fresca servida. A certeza do endereço não dá só coragem no caminho, dá medo, medo de não acertar as etapas da viagem, de descer antes do ponto e as pernas não aguentarem a caminhada ou de perdermos o lugar da descida e só descobrirmos muito a frente. Estar certo do endereço não nos poupa de consultar o mapa e o coração, quando os rabiscos no papel não forem nítidos ou o aplicativo emperrar, vamos buscar dentro o caminho que parece nos chamar.

  No final da rua, um jardim de hortênsias é o marco do caminho seguido diariamente, as flores  lilás são a sala do final do corredor, repouso de minutos, dos anos de viagem. Mas passar por elas é escolher caminhos diferentes todos os dias; as flores, o jardim e a rua são as mesmas, mas os endereços são cada vez mais diversificados. Ir para um lado, significa abandonar a possibilidade de um outro. Estar certo do endereço não nos salva da dúvida da escolha, da angústia da perda de um outro, do arrependimento e da idealização - aquele eu não segui era o certo.

  O céu mudou de cor, enquanto eu olhava o relógio, um homem para o carro e me pergunta sobre uma rua da qual eu não me lembro, diz que é entre uma rua de casas e uma outra de prédios cinzas, na entrada de uma bifurcação de uma avenida que ele tem escrita no papel. Lamento, digo para ir mais frente pedir informações, porque nunca sei da geografia da cidade. Mas fico com a sensação de estar tão perdida quanto ele e não ser ajudada quando mais precisava, me esforço, busco na memória cada rua que precisei atravessar nos últimos meses e antes do carro virar a esquina, eu me lembro da rua, das casas, dos prédios cinzas e de um canteiro de hortênsias que fica no começo da rua que ele procura. Corro atrás do carro com o homem, grito e ele para. Explico o caminho, o endereço certo ele já tem, bastará encontrar o número e lhe abrirem a porta, ainda falta tanto, eu sei.

  Ele segue o endereço certo e eu fico com a dúvida do meu. O endereço eu também já tenho, mas este caminho que faço agora é de pura incerteza. Nem sei se quero mais chegar ao endereço, porque espero ser chamada por outro, antes de encontrar o certo. Sigo as placas, atravesso os sinais fechados e desço na parada certa. Chego. Mas estar certa do endereço não me assegura de estar no lugar que eu deveria. No final, o encontro é mesmo a busca. Nem dívidas, nem pagamentos a receber. O céu mudou de cor, enquanto eu olhava no relógio, agora tem um arco-íris.

  Ninguém me espera no ponto, na casa e nem vejo uma porta aberta, mas não me sinto desamparada. Depois do arco-íris, do outro lado, sou eu mesma me esperando. Estar certo do endereço não nos prepara para o caminho. Mas o céu colorido conforta e dá luz ao obscuro que são os endereços certos. O homem do carro, espero que tenha encontrado o que buscava. Entro na sala, peço um copo d'água e olho pela janela com a eternidade dos minutos que tenho, o descanso nunca dura. Mas não me incomodo, finjo eternidade, antes de partir de novo. O endereço certo não é nada. O chamado ao destino incerto é que nos faz deixar a sala.



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