quarta-feira, 5 de julho de 2017

O que os astrônomos não disseram

  Os astrônomos disseram: em cinco bilhões de anos o sol morrerá. Ele não é amarelo, é branco; eles também disseram. Temos apenas cinco bilhões de anos para nos perdoarmos no claro. Depois disso, a noite será eterna e os eclipses e os arco-íris nunca mais serão vistos. Em cinco bilhões de anos, se eu não estiver errada ou os astrônomos, seus olhos nunca mais parecerão verdes no domingo de manhã, quando se demora a levantar e me olha. Porque o reflexo do sol e o sentimento que eu tenho por você, os fazem profundamente verdes; se o sol não entrar mais no nosso quarto, nunca mais verei os olhos na cor da manhã. Mas terei essa cor na memória, depois dos cinco bilhões de anos.

  Em apenas cinco bilhões de anos, o gato não subirá mais no batente da janela para se esticar ao sol, os pelos dele não vão se eriçar quando uma nuvem interromper seu ritual felino. Ele não ficará mais com o corpo mole, vulnerável e de olhos fechados, entregue à claridade do céu, porque o sol não vai mais fazer parte da existência do gato. Ninguém mais estenderá roupas nas janelas dos apartamentos, os tapetes também não, nem os travesseiros. No escuro que será a Terra, teremos que aprender a andar de luzes acesas a qualquer hora; atravessaremos um túnel permanente sem expectativa de chegada do outro lado. Não vamos mais esperar pelas férias de verão. Não teremos medo do escuro, se nos acostumarmos a ele.

  Os astrônomos disseram que em cinco bilhões de anos o sol se apagará, mas antes a luminosidade ficará mais intensa. Seus olhos ficarão ainda mais verdes na minha cama no domingo de manhã, a janela em que o gato se exibe para os raios, vai esquentar mais rápido e, por isso, ele terá que mudar de posição mais vezes. As roupas secarão mais rápido e os ácaros no tapete e nos travesseiros resistirão por menos tempo. As férias de verão terão dias mais longos e o mar parecerá ainda mais claro.
  Mas depois, o sol brilhará tanto até os seus olhos não suportarem a claridade, o gato não querer mais a janela, as roupas experimentarem a falta de umidade completa, até os ácaros não existirem nos tapetes e travesseiros; até os pés na areia da praia se tornarem lembrança remota.

  Cinco bilhões de anos para o sol iluminar tudo ao seu redor, arder em fogo e energia, modificar nossas manhãs de domingo, me afastar um pouco do verde dos seus olhos, até não resistir mais, entrar em colapso e se apagar. Quantas velas teremos para o primeiro dia que o sol não chegar? Quantas janelas vazias de gatos, roupas, tapetes e travesseiros? Ainda iremos à praia se não tiver verão?

  Apenas cinco bilhões de anos para pararem de perguntar quando teremos filhos, porquê não casamos, se fazemos alguma atividade física, quando vamos ser promovidos no emprego e se vamos ao médico com regularidade. Apenas cinco bilhões de anos e não terei mais que mentir sobre beber socialmente, que nunca fumo e que há menos de seis meses fui ao dentista e à ginecologista. Cinco bilhões de anos e não usarei mais saltos, não terei que abaixar a música favorita, por causa dos carros ou dos vizinhos, os boletos não vão mais chegar a minha caixa de correio, o banco não vai mais sugerir um acordo e eu nunca mais correrei atrás do ônibus. Só cinco bilhões de anos e ninguém mais vai mentir para consumirmos comidas industrializadas, políticas higienistas e leitura de autoajuda.

  Temos cinco bilhões de anos, segundo os competentes astrônomos, para aprendermos a língua do estrangeiro a quem amamos, para nos perdoarmos da culpa, ainda à luz do sol, para aprendermos a coragem  que a desistência tem e a covardia, que pode ser, uma permanência. No primeiro bilhão, eu aprendo a ouvir qualquer som de todos os reinos, do animal, mineral ou vegetal; no segundo bilhão, eu leio cartas de tarô e guardo os futuros ruins para mim; no terceiro bilhão de anos, eu ensaio para dançar até o dia da morte do sol; no quarto bilhão, eu aprendo a falar baixo e ser ouvida em qualquer continente; no bilhão derradeiro eu não me levanto da cama para ver os seus olhos e assistir ao gato, se embriagando de raios de luz; nosso domingo durará um bilhão de anos.

  Os astrônomos disseram que o sol é branco e se apagará em cinco bilhões de anos. Talvez exista mais tempo, talvez o sol só morra em sete bilhões e meio de anos. Os astrônomos querem evitar que a gente não se perdoe antes que o sol morra, que não ache que viver com o céu claro é a eternidade. As estrelas esquentam muito antes de morrer, talvez esse seja o ciclo de toda a vida: uma energia muito, muito forte e brilhante, até não se sustentar e apagar. Mas quem se esquecerá do sol? Quem não saberá dele, ainda que nasça no escuro permanente? Antes que o sol se apague, o que eu terei feito? Do que nenhum de nós poderá ter se esquecido?
  O que os astrônomos não disseram, porque desconhecem completamente,  é aquilo que faremos com os nossos cinco bilhões de anos sob o sol.  Os astrônomos não conhecem nosso quarto no domingo de manhã, os astrônomos não sabem que não temos medo do escuro.




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