segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Nem tão setembro que eu não possa chorar nem tão agosto que eu não consiga ser feliz

  Em setembro, dentro do apartamento ainda é frio. Moletom, meias, janelas fechadas, o gato chega antes das seis, edredom na cama à noite, pijama de flanela, chá e banho quentes. Não importa  que o sol brilhe fora, do piso da cozinha ainda sobe a friagem de agosto, a porta da varanda fica fechada quase o dia todo e as persianas balançam muito, com o vento, se a janelas têm frestas de liberdade; até o cheiro das paredes internas do prédio ainda é úmido. Casaco de lã, botas, secador de cabelo, nenhum deles têm descanso e garrafas de café duram menos.
  As mãos não ficam quentes, só porque tem sol lá fora. Setembro fora é um cartão postal, para os dias passados dentro.

  Quando agosto termina e o jardim já aparece mais bonito, com as rosas vermelhas refletindo na janela do quarto da frente, ainda faz frio nos cômodos do fundo. O estômago absorve melhor o mingau, a sopa, os caldos, os refogados e os queijos derretidos. O corpo ainda treme descoberto, os pelos do braço se eriçam, se a geladeira é aberta. No início de setembro não faz calor dentro de casa.
  Mesmo que o céu esteja mais claro, que os raios de sol façam listras no piso e que o os bares voltem a ter mesas nas calçadas, a lua ainda não convoca para fora, as noites têm uma névoa menos espessa, mas ainda venta muito. Em setembro, dentro ainda faz frio e as blusas de gola alta não estão guardadas.

  Lá fora já esquenta, o brilho do sol deixa os olhos apertados, a blusa de manga longa é amarrada na cintura, o suor escorre depois dos dois primeiros quilômetros de caminhada. No segundo domingo de setembro, o primeiro a me encontrar ao sol é o gato amarelo da rua, não sei se me cumprimenta ou me manda voltar para o inverno; nós nunca nos entendemos bem. Os bebês ficam expostos nos carrinhos, as mulheres e homens de cabelos ralos e brancos estendem suas articulações para os raios solares. A sorveteria fecha mais tarde, os carros estão estacionados à sombra e nos terraços os copos descansam nas muretas. Porque setembro é quente fora dos apartamentos.
  Num mesmo mês, sensações térmicas distintas. A chegada de setembro não esquenta a minha cama, a partida de agosto não modifica o termômetro do meu ímã de geladeira. Os espíritos do inverno não se despedem no calor.

  No início de setembro, as fotos dos porta-retratos continuam as mesmas, o espelho manchado não brilha nem depois de um pano com álcool, o garoto do violino ainda não aprendeu a tocar uma música inteira e as mulheres de blazer branco, no domingo, sempre vão lembrar a minha mãe; eu  sorrio para elas como se fossem minha mãe.
  Atravessar a rua não é mais fácil sob o sol, escolher rabanetes ainda é um mistério e as filas de até dez volumes continuam atraindo gente com doze ou quinze itens. As festas ao ar livre só vão até as sete e as costas das mulheres permanecem agasalhadas, os brindes não alcançam o teto, mas o risco de pneumonia nos organismos mais frágeis é diminuído. 

  Setembro é mais afável se visto de fora pelo lado de dentro, flores, gatos, raios solares esquentando maturidades e banhando pés recém-chegados.  Agosto é mais silencioso se vivido por dentro, mesmo com as janelas destrancadas.
  Ambos se encontram no hall de entrada do prédio, se cumprimentam com cortesia e não saem sem desejarem um bom domingo um ao outro. Não disputam estadia, não requisitam preferência, não se ofendem ou rechaçam o que é próprio de cada um, mas coabitam a mesma cidade sem invadirem seus espaços; um é doméstico, enquanto o outro é da amplitude.   

  Nem tão frio que eu não possa suar nem tão quente que eu não queira um banho gelado depois de correr. Nem tão alegre que eu não me sinta só nem tão triste que eu não vá sorrir. Nem tão confortável que eu não sinta angústia nem tão instável que eu não possa me segurar. Um não acaba quando o outro começa, o sol de setembro só dá o descanso  do frio de agosto da minha cozinha escura, se eu saio para ir ao mercado. No mais, é inverno no apartamento ainda por algumas semanas.

  É estranho uma alegria não durar até o final do sorvete; é alentador ver as rosas vermelhas refletidas na janela da frente, quando ainda estou de meias.
  Nem tão distante que eu não possa sonhar nem tão impossível que eu não possa esperar. Quando o sol de setembro brilha nas ruas, as mãos não ficam mais quentes, as filas não são mais honestas, os rabanetes não se tornam menos misteriosos, mas o céu azul é uma promessa difícil de não querer acreditar. Nem tão setembro ainda nem tão, nunca mais agosto, já.



2 comentários:

Paulo Abreu disse...

Minas Gerais, quase 13 deste pavoroso 2017

Querida Amanda.

Serei breve

"Ou isto ou aquilo" em dimensão personalizada. Gostei muito.

Como você domina esta técnica de manter assuntos interessantes sem ser repetitiva, mantendo sempre as urbanidades? Não que eu ache intrigante - acho de uma capacidade literária inteligente. (sim, sem precisar de delação reprimida, fiz um elogio).

Como é setembro, flores para você! Amanhã vai ser outro dia ...

Paulo Abreu
ps - por motivos maiores que minhas convicções abandonei minha célula Nokia depois de doze anos de amizade e companheirismo imbatíveis.

Amanda Machado disse...

Minas Gerais, 13 de setembro de 2017

Querido Paulo,
que bom que se lembrou de Cecília...uma voz muito doce e constante na minha vida. Quem dera eu tivesse o magnetismo das palavras da poeta; que não é alegre nem triste. Nem me atentei sobre uma possível proximidade entre as temáticas (minha e dela), mas se você detectou, eu já gosto! Muy grata!
E que bom que gostou do que leu. Grata de novo!

Flores para nós sim, sempre. Porque estamos necessitados de ternura, cores, delicadeza. Que setembro nos traga aromas mais frescos.

Seu Nokia...imagino a desolação inicial, mas vai superar e, ao menos, será iniciado no mundo onde pescoços voltados para baixo e dedos quase tão rápidos quanto o próprio pensamento compartilham bom dia, boa tarde, com sujeitos do outro lado do continente, mas são incapazes de um olhar para o lado. (Ui...que retrato triste eu fiz agora!) Não se assuste...nem todos sucumbem, não o tempo todo. Boa sorte! Vai ser bom estar ainda mais perto das filhas.

Abraços, ótima semana!