Há pouco mais de trinta dias que elas foram dependuradas e já parecem tão antigas. Estão lá, em todo o comprimento da rua, mas ignoramos a finalidade de alegria dos adereços cor de um país. É uma festa que não aconteceu completamente. São os balões coloridos cheios, formando um arco na parede da sala para uma festa surpresa, cujo convidado não chegou. Enfeitaram a sala, decoraram a mesa de doces e bolo, apagaram as luzes, para que quando o aniversariante abrisse a porta só acendessem as velas. Ficaram todos no escuro, por algum tempo, até se cansarem e constatarem que ele não viria.
As fitas coloridas, ao longo da rua, lembram o que não chegou a acontecer. Logo os balões murcham, no mesmo lugar, ninguém se move para retirá-los. A família almoça, janta, assiste à TV, o pai faz contas na mesa, o filho faz o dever de casa e os balões lá, improváveis no cotidiano, impossíveis de serem removidos.
E eu que nem esperava por aniversariante algum, sinto a melancolia da desistência, uma mágoa pela festa desperdiçada. Ninguém retira as fitas, ninguém devolve o cinza das ruas, porque a tradição é a de colocar; o retirar ainda não aprendemos.
Se eu não morasse aqui, eu não estaria tão acostumada aos vestígios das cores da bandeira pelos muros, calçadas e postes. Cores que desbotam durante quatro anos, até quase não serem visíveis e, de repente, numa noite, voltamos do trabalho e as cores estão lá, de novo, esperando pelo convidado. É engraçado tentar entender o lugar onde moro: as tradições que só compreendi depois que desbotaram.
Às segundas-feiras o desalento pela ausência do esperado parece ecoar ainda mais alto. As fitas dependuradas nos cordões parecem tão menos vivas, tão entregues ao vento, que se não houvessem os nós, demasiado apertados, elas se jogariam de lá.
Fitas perdidas de função, descontextualizadas, ultrapassadas não de tempo, mas de sincronia entre tempo e presença. Às segundas, as fitas nos postes doem mais.
Passo debaixo dos cordões e evito olhar para cima, minha dor de cabeça lateja e eu acho que é pela falta de cor das segundas; não estou certa disso e não há médico que irá confirmar essa suspeita. Uma aspirina, antes de sair de casa, e óculos escuros são medidas possíveis. Meus vizinhos também se escondem atrás de lentes escuras, hoje, ninguém olha para os cordões, desconfio que eles também os evitam.
Toda segunda-feira, pela manhã, há duas ressacas possíveis: pelos excessos ou pela ausência. Ambas são torturantes, mas só uma não deixa, ao menos, um sorriso na sobremesa do almoço. A inevitável ressaca das segundas, que gostaria de ainda estar no domingo ou deseja, com toda força, o próximo final de semana. Uma é pela saudade e a outra pela promessa. Queria perguntar a cada um dos meus vizinhos qual é a ressaca deles, mas mal falamos um bom-dia, às segundas.
Antes do final da rua, vem um cachorro trazendo uma menina, são coloridos os dois e não aceitam o tom de sépia das minhas segundas. Uma mulher adulta acompanha-os na subida, um pouco mais afastada, o cão puxa a menina pela calçada, ele é mais forte do que ela e parece melhor acostumado ao trânsito. São sete horas de uma segunda-feira e só os dois não estão de óculos. As segundas deles é outra, ainda não aprenderam a lamentar ausência e excesso ou o fim; têm o que podem, aproveitam o que têm.
As felicidades dos dois coincidem com as cores de festa da alameda. Sobre as cabeças de ambos as fitas brilham e agora dançam nos cordões. Por uma subida, eles colorem a rua que começava a desbotar. De galochas vermelhas de verniz, com uma tiara de brilhantes de plástico a menina ilumina a rua e me afasta de uma ressaca acostumada de segunda.
Não ouço a porta se abrir, ninguém acende as velas e depois as luzes, os balões não são estourados em comemoração. Mas a menina e o cão trazem sons com eles, uma alegria calma de sábado à tarde, sem cinzas, sem sépias, sem fitas ultrapassadas, sem ressacas.
Só os dois. Ele com a força da experiência e ela deixando-se ser guiada pela rua que ela nunca viu desbotar.
É bom morar aqui e ainda não estar acostumada; é bom não saber que as fitas um dia cairão.
A festa não aconteceu. Nem o país parece acontecer, agora. O domingo saciou as minhas muitas sedes, transbordou do copo e molhou a minha camisa de segunda-feira. Era para ser desbotada a minha segunda, mas as galochas vermelhas, as mãos muito pequenas tentando conter um cão e uma boca infantil gargalhando não me permitiram a mesma segunda. Quando eu perdi a segunda deles? Como recuperar a segunda que não desbota?
Ela passa com um par de galochas vermelhas brilhantes, uma tiara enfeitada e o cachorro a leva pela rua. A menina de galochas vermelhas e o cão, dono dela, são as melhores cores de qualquer segunda-feira. A segunda para eles não é desbotada. Por que a minha deveria?
2 comentários:
Minas Gerais, 22 de Julho de 2018
Diário de bordo
Hoje li uma crônica da Amanda que falava do clube daquele banco que fica ligando o dia todo para o nosso celular oferecendo dinheiro a juros extorsivos entre 3 e 5%, dependendo do risco do alvo a ser abatido. Virou um clube de banco o que era a pátria de chuteiras (Não sinto falta do Nelson Rodrigues, mas v=da sua verve futebolística).
O povo, ora direis ouvir estrelas ... o povo não é um bicho de estimação, um objeto que modifica em acordos comerciais em locais de nomes difíceis com pessoas de sobrenomes esquisitos.
Mas não posso encerrar sem lembrar de um poema musical do Roque Ferreira, poeta e músico de primeira grandeza neste país grande e bobo. E lembrei por causa da forma como a crônica foi sendo colocada. Bem, falar é melhor que explicar:
Do trecho que lembrei do seu poema "Baile Perfumado" (que não tem uma relação direta com o filme sobre o Lampião). Olha como ele fala do sentimento de adeus:
"Mas um dia numa noite deu-se um caso
Vi no céu dos olhos dela por acaso
Um balão apagado
Hoje quando o vento bate na cancela
O meu coração pensando que é ela
Faz um baile perfumado"
Vi no céu dos olhos dela por acaso ... Um balão apagado!
Vi neste clube de verde amarelo um balão apagado.
Preciso encerrar, mas, caramba, bateu o Vinícius de Moraes, já que o assunto aqui é pátria, futebol e o verde-amarelo. Vinícius esculpiu o poema "Pátria Minha", e aqui o trecho que ligo à crônica do dia:
"Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!"
É isto aí!
Paulo
Minas Gerais, vinte e três de julho de 2018
Caro Paulo,
Suas contribuições sempre surpreendem, mesmo que sejam esperadas (Pode isso? Pode. Porque sei que as suas intervenções são sempre preciosas, mas nunca sei o que esperar delas).
Bom, também adoro as crônicas futebolísticas de Nelson Rodrigues, em um dado período li muitas. Mas nunca tinha ouvido sobre Roque Ferreira e achei lindo o Baile Perfumado...que beleza de figura ele construiu! De Vinícius também li algumas coisas, mas não me lembrava ou não conhecia esse versos tristes... ou sou eu ou a minha pátria que andamos tristes? Não sei, não sei. Mas esse poema evoca a melancolia da frustração de um gigante apequenado.
Abraços, ótima semana!
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