
Buscar um sinal, um único, um pequeno, um fio, algum resto de qualquer coisa que ainda faça o sentido. E se encontrar, permanecer atada ao fio vulnerável - risco iminente de queda.
Procurar no reflexo dos outros olhos a própria imagem, tentar responder às perguntas pela vista do outro sobre si. Falhar.
Procurar a primeira impressão e a última esperança em um álbum de fotos de viagem. Simular desconhecimento sobre ambos para perguntar aos sorrisos felizes, onde permanecem para além do minuto congelado. Tentar as palavras que usava, as roupas, os óculos que perdeu em alguma gaveta, tentar aquele corte de cabelo novamente, a música que tocava à época. Qual foi o filme? Como era mesmo o casal da trilogia? Que drinque era esse? E o anel que se perdeu? Contornar o dedo, esperando tê-lo novamente, restaurar o símbolo e sonhar com o renascimento.
Buscar nos rejuntes do assoalho um resto de brilho de algum carnaval, um brilho que devolva o dia, a música, as fantasias que pareciam deitar embriagadas no infinito. Ninguém mais canta, ninguém mais dança, ninguém mais se lembra das fantasias. Por que elas doem no agora?
Buscar um meio de presente, apoiado em vigas muito seguras do passado, correndo desesperadamente ao encontro de algum futuro flutuante. Transpassar tempos e querer chegar antes da decisão final; mas é corredora fracassada desde a Educação Física da escola. Chegar somente para assistir ao fim, ao oco, à porta batendo nas costas das promessas; cada uma saída ao seu tempo. Não ficou nenhuma.
Procurar nos corredores por uma outra porta que se abra e alguém saia de lá, oferecendo ajuda com a mudança. Mas as pessoas das portas lavam cenouras para o jantar, assistem aos romances doces da TV, acarinham o filho, arrependem-se de algo, confiam o segredo a um desconhecido na internet, dormem tranquilas ou cultivam suas insônias na janela da cozinha. Verás que uma filha, sua luta só.
Buscar um rio em que suas tristezas corram para se afogarem e assistir da ponte o alívio delas a abandonarem; mas não há rio límpido no qual elas desejem se incorporar. Vai atravessar a cidade com elas pesando o peito, resfriado pelo rio sujo que não adiantou ser rio, porque não salva, não lava nem pode matar o que sufoca.
Se abster de ser leve por um tempo e tentar empinar a coluna o máximo que os ossos permitirem. Procurar em si um universo de compensações. Se sol, amar o calor; se cinza, abrir ao vento; se uma lembrança ruim, três muito boas.
Repetir o mantra de bem aventurança que entrega, confia, aceita e agradece; se com efeito ou não, não custa a tentativa de mais um empenho.
Procurar em cada xícara de café, a sensação da vida livre que se tinha sem saber, a estima pela sua história quase inabalável e soberana, a confiança em si e nos outros que a fazia abandonar o silêncio mais vezes para passear.Torcer para que essa volta esteja próxima, que encontre outros olhos, com histórias que desejam ser partilhadas, sem negociações, sem estratégias e fugas; só fiquem.
Buscar outras paisagens para ver o próprio reflexo: poça d'água, sombras na parede, sonhos no cochilo de domingo à tarde. Não se prender a nenhuma, mas deixá-las livres para ficarem e irem.
Buscar um farol, um único, que a tire do mar alto, do escuro e silencioso oceano. Que a leve até ao continente. Depois de encontrada, que não façam perguntas, que não desconfiem da sua aparição súbita e exausta. Resistiu à tormenta e ninguém assistiu. Vai colar a história no fundo dos próprios olhos que, um dia, alguém lerá com ternura.
Mas antes da areia, se virou para trás, procurou um último olhar que desse esperanças de vida acesa; no mar não foi, como no rio da cidade. Que o continente seja a viagem da esperança.
2 comentários:
Lindo texto! Afora este espetacular clipe do Nick Drake!🥰
Gracias, John Gley! É linda essa música e o vídeo é maravilhoso. Ganhei!
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