Ele não ama você. E é isso. Que a frase não soe como uma pedrada na sua vidraça, que não saia como um grito e que faça o cachorro latir no quintal. Que chegue a você como uma constatação banal; como quando acaba o sabão. Só.
E não é porque ele não escreve cartas, declarações e poemas de amor. Não é porque não se encantam com a figura de vocês dois e não dizem que são um casal bonito. Não é. E você sabe o quão insignificante isso seria, se soubesse do amor que você não sabe ou, pior, sabe que não está lá.
Não é porque ele não se lembra ou não fala mais sobre o dia em que se conheceram, não é porque ele adia um casamento há anos, ainda que saiba ser um sonho seu. Não é por isso que ele não ama você.
Também não é porque ele é grosseiro quando está cansado, e que ultimamente parece ser o seu estado mais constante e, consequentemente, o tratamento destinado a você.
Não é porque ele escolhe fotos suas antigas para prestar homenagens e insiste que você mudou tanto nos últimos anos, referindo-se a sua forma física. Não é porque ele faz piadas, se você repete a sobremesa.
Não é porque nessa década de convivência as surpresas dele nunca a fizeram flutuar de alegria, mas quase sempre desmoronaram mais as suas ilusões, soterrando você e os seus sonhos mais perfumados.
Os muros, os prédios, as pessoas nas janelas, o entregador de água e o vendedor de gás e até as pedras da sua rua sabem que ele não te ama. Você, eu, as garças do rio que atravessa essa cidade, as capivaras, os padres, os traficantes, todos sabem. Já ou ainda sabem.
Nas igrejas, nos bancos, nas lojas, nas boates, nas cachoeiras, nos terrenos baldios, nos clubes, nas casas lotéricas, nos consultórios médicos; em qualquer lugar as pessoas sabem.
Da carrocinha de pipoca da praça ao fórum de justiça do parque; do puxadinho ao palacete art déco todos sabem que não é amor; que isto que a aprisiona é outra coisa.
Não é porque ele não abre a porta para você entrar, não segura a sua bolsa, não elogia o seu cabelo ou a sua opinião. Não é porque ele a deixa sem resposta, porque ele a deixa perdida e solitária, quando não explica o porquê:
- Você tem que confiar em mim.
Não é porque você sente frio e ele não oferece blusa, cobertor, abraço ou só um silêncio morno, que a acolha na friagem que o mundo pode ser.
Não é porque você espera e nunca tem, não é porque você abre o portão e nunca vem, não é porque a mão dele falta e a sua permanece estendida que ele não ama você.
Ele não ama você porque nunca se arrepende de feri-la. Porque não há pudor em magoar. Ele não ama porque já viu você chorar tantas vezes, que se acostumou a fazê-la triste.
Ele não ama porque não acha que você merece a verdade, a partilha ou a mesma gentileza com a qual ele trata o cão e o garçom.
Ele não ama porque não acha que você merece reciprocidade, porque acha que a sua vastidão em doar é infinita o bastante. E que sendo o bastante para ele é suficiente para os dois.
Ele não ama você porque vê os seus olhos cansados e persiste na mentira. Ele assiste a todo o seu esforço e não a liberta. E você ainda espera. Espera pelo quê?
Ele não a ama e você se ressente, esquece o que merece e só sonha enquanto dorme, esse sono cada vez mais raro e leve. Sua mãe precisa de remédios para dormir e logo você também precisará. Então por que persegue esse amor que nunca chega? Por que acumula sonhos que não caberão mais nas suas noites?
O único mistério é esse: por que não vai embora?
Imagina você se despedindo, carregando a bolsa que sempre esteve no seu ombro, abrindo suas próprias portas e tratando-se com a gentileza do amor mais terno; com o qual você sempre sonhou. Imagina?
Imagina a chuva, o vento, os músicos de rua, as motoristas, os homens-cartazes que compram ouro, os adolescentes em frente à lanchonete e até as pedras da sua rua saberem que existe amor em você, por você? Imagina!
Imagina ter o que você espera e nunca chega, mas porque você não sabia que já estava lá. Imagina você se amando e seguindo sem espera e solidão acompanhada. Imagina você saber como se aquecer no frio e comer duas vezes a sobremesa que quiser; imagina!
2 comentários:
Imaginei em cada linha...
Que bom...
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