São seis horas de diferença no nosso fuso horário; o meu país ainda é o dela, estão aqui muitos dos seus amores, sonhos e esperança de futuro, mas ela foi respirar noutro e disse que se lembrava de mim.
Do muito que falou, não me recordo de algumas partes, mas da entonação e do cheiro de alegria, que a voz carregava, disso não me esquecerei por muito tempo. Me salvou do dia ruim, a lembrança dela.
- Você é a ausente mais presente.
Queria corresponder sempre a essa percepção dela, não estar e ser sentida; não estar, mas não deixar o lugar vazio. Quantas presenças, agora, não estão? Quantas presenças são só vazio?
A voz feliz dela ocupa a minha manhã inteira e estaciona no meu ancoradouro, sedento de esperanças. Não importa que elas sejam estrangeiras, um dia chegam.
Ela me conta sobre as dificuldades dos preparativos da viagem, pede desculpas por não ter se despedido e acho melhor assim, já falar com ela dona de uma outra cidade. Ela que sempre foi muito capitã dos seus destinos; e nenhum com caminhos lineares.
Enquanto fala parece reviver cada emoção das últimas semanas, suspira, gagueja, sorri consigo, se emociona e decreta:
- Você é a ausente mais presente.
Lá o sol já quase se põe e eu começo a trabalhar agora. Haverá uma distância de cotidianos, mas acho que só essa.
Ao desligar, ela irá preparar o jantar, mas mudou de país, na verdade, para estudar poesia. E tem toda razão em procurar, ao menos por enquanto, outros lugares de beleza. Falamos das tristezas daqui, mas não muito, porque essas sugam e queremos construir.
Antes de desligar peço que me mantenha informada sobre a sua alegria. Cada cena que ela me descreve eu tentarei guardar para os meus sonhos, já que nos últimos meses quase não me lembro deles pela manhã. Não sabia que me fariam tanta falta. Agora procuro estímulos para sonhar, de novo, quando durmo.
Ela fala da burocracia, dos muitos documentos e exames que teve que apresentar para a imigração, dos transtornos dos últimos dias nesse chão, que é só do meu pé agora, mas também dos novos amigos, da casa úmida, do frio que já pressente. Antes de desligar, repete:
- Você é a ausente mais presente.
Contou também que no primeiro dia na casa nova, foi pegar uma vassoura na varanda dos fundos e surpreendeu-se pela visão da acrópole - aquela famosa. Da varanda dela a acrópole ateniense e da minha, por agora, um jardim pouco florido. Mas hoje, porque ela disse, tive a impressão de que a minha janela também pode apontar para outros destinos, assim como a poesia que ela estuda.
Estudará poesia e o mar na poesia; está rodeada por uma beleza histórica e insuperável, mas ainda faz o jantar e varre a casa.
- E vamos às questões domésticas.
Como Tsvetáieva, que só escrevia os poemas depois de buscar a lenha para aquecer a casa e cozinhar para a família. Marina é a ausente mais presente, quando penso em poesia e afazeres comezinhos.
Do mediterrâneo, chega a onda que me salva do arrastado tédio, da calmaria de um mar que é o mesmo desconhecido, de dias siameses sem nenhuma tempestade que me carregue ou me afogue.
A data é salva não por um acontecimento extraordinário, mas pela lembrança de que a ausência não é um corpo que falta, mas uma memória que sairá pela porta assim que essa mão, que só alcança superfície, girar a maçaneta. As notícias do Mediterrâneo dão conta de que a ausência é muito mais do que não estar; é não ser, é nunca ter sido.
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