Uma conversa importante demais para acontecer em uma sala, com as mãos sobre a mesa, dois advogados que intervenham e assinaturas definitivas. Tão relevante que não caberia na antessala de um centro médico, com os rostos verdes, debaixo das luzes florescentes e os alvéolos excessivamente requisitados.
Tão preciosa que não aconteceria no salão com lustres, cristais e garçons em algum hotel caro, em qualquer parte do mundo. Tão absolutamente relevante que não ocuparia duas cadeiras em uma mesa de doutores acadêmicos, com camisas amassadas, óculos com lentes sujas e os milhares de livros que eles pensam sustentar suas existências.
Terna demais para esperar um jantar, um café, uma data reservada na agenda, com um post-it florido, que celebrasse a importância do encontro.
Uma conversa tão essencial que não pode ser planejada, adiada ou abandonada. Uma conversa que chegue no inesperado do tempo, que não seja conduzida ou limitada, mas que jorre; que surpreendentemente se poste na frente de duas pessoas e se apresente como essencial.
Um manancial desconhecido, que brote debaixo de dois pares de pés que não empreendam fuga.
Determinante demais. E que aponta quem somos, quem gostaríamos de ser e o que abandonamos para que chegássemos assim. Um conversa que não poderá ser reproduzida num conto, numa cena, carta ou retrato qualquer; que não poderá ser analisada no consultório; que não poderá ser censurada, rasurada e modificada em qualquer parte.
Uma conversa que instaura uma nova era de memórias; um entendimento sobre as impossibilidades, os desencontros, as falhas e os silêncios. Uma conversa sobre o apagamento das palavras.
Um homem e uma mulher às quatro da tarde, numa esquina, analisando um erro que, a princípio, não é deles, mas que carregam o fardo do seu reconhecimento.
Singular demais; mas também universal. Uma conversa, numa esquina, sobre a maior vulnerabilidade dos humanos. E também beleza. Essa conversa que não tem desfecho; só despedida circustancial.
— Vamos lá! Voltemos ao necessário.
E que em todas as vezes que eu estiver diante de um dilema, me lembrarei dela e de você. Cabelos grisalhos e ralos, bolsa com a alça atravessada no peito, tênis pesados e joviais.
— Eu quis muito que vocês fossem independentes.
— Há dependências de muitos tipos. Você não teria dado conta de todas.
Eram os carros buzinando na avenida, um dia de semana agitado, o meu short preto com uma mancha de pasta de dente e no pescoço do homem um pelo inflamado. Era o vento forte, o céu cinza, com a ameaça de chuva iminente e o aplicativo no celular com o contador de passos, em suspensão. Queria tê-lo sempre, quando uma perturbação me capturasse, queria que a sua palavra-proteção não se dissipasse como um dia eu sei que vai.
Sua voz em cada esquina.
Eu não tenho medo, se eu o tenho para partilhar o que quer que seja. Toda vez que eu disser a palavra pai, eu vou conseguir me salvar.
Uma conversa que nos reconcilie com todas as apostas fracassadas, com os caminhos que erramos e ainda erraremos. Que nos permita perdoar toda a vulnerabilidade que ainda teremos que carregar em bolsa transparente. Que nos encha de mais coragem para repartir e nunca nos calar.
Uma conversa que não seja sintética, tampouco prolixa; que caiba nos quinze minutos que temos, antes de uma corrida diária ou a caminho do supermercado.
Um homem na janela do apartamento é a única testemunha. E ele não sabe sobre a relevância do que se passa sob a sua atenção. Ele foge, disfarça a sua curiosidade e simula discrição. Mas não temos tempo para ele. Quase não rimos, quando ele tentou se abaixar e bateu a cabeça no vidro.
Uma conversa na esquina, quinze minutos de palavras trocadas e confidências traduzidas. Tão emblemática quanto a estrela de Davi, o crucifixo, o olho grego; tão soberba quanto o Taj Mahal, a pirâmide de Quéops, as Cataratas do Iguaçu; o oásis que permanece depois da travessia do Saara. Uma conversa sem café, sem uma taça, sem mesas, cadeiras e assinaturas. Nenhuma sentença; certezas, nunca tivemos.
São nossas as esquinas. Que não termine nunca, sua voz em cada esquina.
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