O negócio do amor não vai bem. Já marcaram com os bombeiros a retirada dos amantes. Não querem saber das minhas imagens, registros do que há de mais bonito por aqui. O negócio do amor está prestes a ficar sem casa, sem geografia, sem um ponto no Google Maps.
O negócio do amor cairá amanhã e as minhas súplicas eu já nem sei a quem dirigir e se devo mesmo fazer alguma intervenção. O negócio do amor é uma confusão imobiliária agora, um caso urbano de um negócio que parecia bucólico. O negócio do amor parece que vai acabar e eu não quero voltar para vida aqui antes dele. O negócio do amor parece perdurar em mim, mesmo que esteja de saída.
Há semanas eu acompanho o ninho. No primeiro dia, vi o casal entre as telhas do prédio ao lado e só depois eu vi o buraco. O casal de maritacas saía, um de cada vez, de uma abertura minúscula da parede que segura a cobertura. Duas cabeças verdes brilhantes e delicadas saíram da parede branca às duas da tarde.
No início, contemplava sozinha, depois comecei a chamar alguns colegas para dividir a descoberta, até começar a fotografar e eventualmente a filmar. Gostava de ver as cores das penas, dar zoom para apreciar os bicos e, mais tarde, observar a suavidade dos gestos me acalmava. Por muitos instantes, eu admirei a sincronicidade e a destreza do negócio do amor que escalava as alturas.
Mas, agora, o negócio do amor está cercado por uma faixa preta e amarela, pedindo atenção. Intervenção municipal no negócio do amor.
O negócio do amor é uma medida a qual eu não sei precisar, duas maritacas, um buraco de vinte centímetros de diâmetro em um prédio histórico, os fios de energia de pelo menos cento e vinte apartamentos no condomínio da frente. O negócio do amor é pequeno com proporções que não cabem no campo de visão da minha janela de madeira, também histórica.
O negócio do amor me faz criar uma fanfic de um ninho repleto de ovos ou filhos recém-nascidos que sensibilize os bombeiros pela família desalojada; me faz torcer por um amor tradicional com frutos vivos, que quebrem os ovos e façam chorar os homens cujo trabalho tem uma aura de serviço quase divino.
O negócio do amor me faz defender as expectativas sociais de amores que rendem frutos e de vidas que ainda só começam a existir e me faz esquecer dos sem-luz ao redor. Um casal de maritacas prestes a perder o abrigo me consome horas de pensamento e buscas no Google para salvá-las.
O negócio do amor me desafia a pensar no amor como algo sobre-humano, além do humano e, também, meramente humano. O negócio do amor me faz chegar mais cedo ao trabalho e perder a hora de ir embora. O negócio do amor me preocupa quando chove ou quando um caminhão dos bombeiros estaciona na mesma quadra em que estamos.
Ao negócio do amor me sinto próxima e responsável, embora esteja fora dos domínios do negócio do amor.
O negócio do amor estraçalha a fiação elétrica, interrompe a comunicação e ameaça o banho quente de uma centena de famílias. O negócio do amor carrega intimidação e defesa no mesmo bico. O negócio do amor vai abocanhar o conforto da civilização que precisa de antenas, fios e um robô de nome Alexa.
A primeira vez que eu ouvi que as maritacas destruíam redes elétricas de bairros inteiros eu fiquei incrédula sobre o poder e a força do negócio do amor. Não eram só pássaros pequenos, adoráveis e barulhentos.
O negócio do amor se esgueirou até fazer um buraco no telhado e acolher seu romance num espaço vazio. O negócio do amor é sério e faz rir. Mobilizou um grupo que deseja a sua expulsão e outro que defende que ele fique até o fim dos dias do amor. Bodas de telhado. Bodas de fiação corroída.
O negócio do amor não quer testemunhas, defensores, holofotes, fotógrafos ou perscrutadores.
O negócio do amor quer ser livre para expandir suas asas acima das cabeças confusas dessa multidão e voltar para o aconchego quando quiser. O negócio do amor não quer sofisticação ou burocracia de posse, o negócio do amor só quer um buraco no telhado e gritos de satisfação ao final de cada tarde. O negócio do amor só deseja contemplar o pôr do sol alaranjado da cidade que amedronta.
O negócio do amor é fazer casa na instabilidade, provocar incêndios e ainda assim ser admirado. O negócio do amor está prestes a falir, sem concordata. Sem intervenção da associação protetora dos animais que também teve sua fiação carcomida. O negócio do amor não quer discar para o 193, não quer provar que tem família ou que precisa do telhado alheio.
O negócio do amor só quer gritar e se esconder da chuva. O negócio do amor tem que voar. Porque a liberdade é o negócio maior do negócio do amor. Amanhã os bombeiros vêm, amanhã a minha janela ficará fechada.
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