Sábado não tinha escola, mas tinha catequese — onde não precisava usar uniforme e também não durava muito e, por isso, parecia mais vantajoso que um dia letivo. Na cozinha, uma prateleira pintada de branco com latas de inox enfileiradas em ordem decrescente de tamanho, que brilhavam. Na véspera, tinha tirado o açúcar — no qual a criança frequentemente enfiava o dedo indicador e levava à boca; era doce e amargo o suor dela — o arroz, as farinhas de trigo, rosca e mandioca e os biscoitos de leite para alojá-los em outros recipientes, enquanto areava as latas. Mas por que não substituir o trabalhoso inox pelas de plástico como todas as outras casas da vizinhança? Melhor, comprou um paneleiro e as latas, finalmente, ficaram escondidas. Mas não acho que ela tenha aproveitado o tempo que ganhou, por não polir mais meia dúzia de latas, com algum entretenimento.
O cheiro dela é ainda o de leite de aveia Davene, mesmo que ela não use o hidratante há mais de três décadas, o seu dia é sábado e o clima precisa ser ensolarado para secar as roupas de cama, que ele lavava todo sétimo dia da semana. As suas cores são azul, bege e branco. Seu corpo ostentava os músculos do trabalho braçal e as unhas só estavam pintadas para algum evento muito especial, mas começavam a descascar no dia seguinte à excepcionalidade. Essa mão macia que dura por todos os tempos, essa firmeza que perdura mesmo se não tem a materialidade.
Antes dos sábados, teve o casamento com o aquele pai e uma casa alugada com goteiras, o primeiro feijão cozido queimado, o medo da panela de pressão, um sapo na varanda. Quando a mãe se casou com aquele pai, ela deu a ele o que fazer aos domingos e ela começou outros também. Deu uma família, ainda antes da nuclear, e ele tinha, finalmente, o olhar doce de uma mãe e as conversas longas com um pai. Essa mãe salvou esse pai da obscuridade da solidão. Esse pai abriu o caminho da emancipação para a mãe. Foi ele quem a registrou no sindicato e que, mensalmente, fazia as contribuições necessárias.
Aquela mãe também deu a ele calças e camisas sob medida e três filhos fortes. Ele deu a ela a missa, a feira dos sábados pela manhã e livros para os três filhos fortes. Aquela mãe, com a intervenção daquele pai, ampliou o que era, antes, só doméstico: primeiro, costurar para fora, depois, ter sua própria confecção e loja na rua do posto de combustível e, finalmente, voltar para casa para costurar para fora, de novo.
Na cozinha, aos sábados, bolinho de chuva, ao lado da lata de açúcar, que ela despejava em um prato às colheradas para misturar com canela e mergulhar os bolinhos. No congelador, da geladeira azul, potes de nata congelada, guardadas diariamente para fazer os biscoitos de nata ao final de todos os meses. Cheiro de canela, nata e leite de aveia Davene. Arroz, feijão, bife e salada temperada com vinagre e azeite. Batata frita para o filho forte do meio. Pudim de leite condensado no fogão, para o dia seguinte. No degrau entre a copa e a varanda, à espera da laranja descascada com a casca finíssima e o corte da tampa com o formato de um cone na ponta, que deixava a fruta com o design ideal para o encaixe dos lábios
O som do rádio, da água enchendo o tanque, da escova nas roupas e de utensílios domésticos desde às sete da manhã até as dez da noite; aos sábados, não tinha máquina de costura, com exceção de dezembro e casamento de alguém próximo. Nunca nenhum sábado de silêncio, nunca vazio.
O cobertor no filho que dorme no sofá, a luz do quarto acesa para o filho que lê no escuro e o suco para outro que tem fome e não sabe de quê, tudo pelas mãos incansáveis dela; às vezes com cortes ou queimaduras.
Por alguns minutos, brincava de sonhar com o terceiro filho forte, de serem outros. Enquanto assistiam a um programa de TV que mostrava cidades brasileiras filmadas do alto, elencavam tudo o que fariam, caso se mudassem para a cidade que era apresentada pelo canal de televisão. Faziam planos de passarem os sábados nos parques verdes de Piracicaba, nadar nas praias de areia branca de Maragogi, frequentarem universidades, igrejas e, simplesmente, passearem pelas ruas bucólicas ou movimentadas de quase toda a topografia brasileira. Só deixaram de sonhar, quando assistiram a própria cidade do alto.
— Tudo de longe pode ser bonito.
Ela disse.
De perto, ela era a mais bonita de todas as paisagens; achava o filho. Nenhuma cidade era mais acolhedora, nenhum outro lugar era tão seguro e terno.
Aquela mãe que é um sábado azul, deu aos seus e a si, também, os domingos. Aquela mãe que chorava de solidão aos dezoito, sem saber, salvou a todos dos fatídicos domingos.
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