Um homem caminha em direção contrária a minha com uma cadeira de praia colorida embaixo do braço, em plena avenida urbana — enquanto eu ajeito o meu boné — passamos um pelo outro e sorrimos. Não sei o seu nome, tampouco ele o meu, mas somos conhecidos antigos, que partilham comentários aleatórios quando os olhares se cruzam. Geralmente ele está sentado na cadeira, enquanto eu passo, correndo ou ainda caminhando. Sempre há um desejo ou recomendação, que desaparece no ar, enquanto eu passo: "boa manhã", "bons caminhos", "cuidado com os carros", "cuidado com o sol, hoje está mais quente". E às vezes um encorajamento: "continue".
A cadeira dele na calçada aos finais de semana, me conforta; a cadeira colorida dele sob o sol entre as frestas dos prédios, me lembra que o calor e a luz são possíveis, ainda que a previsão seja a de tempo encoberto. É o mesmo homem de jeans e bolsa atravessada nos ombros, do outro lado da rua, no ponto de ônibus durante a semana, mas também é outro, sentando na cadeira de praia. Devo ser a mesma e outra de sapato e pasta e também de tênis e boné. Mas, certamente, mais entregues nas nossas versões de fim de semana.
Se preciso mudar de horário, por alguns dias ou semanas, quando nos reencontramos, ele me pergunta, enquanto empenho força no passo, se tudo continua bem. Acho que sente a minha falta, não dá tempo de dizer a ele que também senti a sua, mas explico, entre uma passada e outra, que permaneço.
Hoje, quando nos encontramos, ele confirma o meu itinerário, mas não fala os nomes das ruas ou números em quilômetros ou minutos; só simula meu caminho com os dedos, apontando a direção e eu balanço a cabeça. Para não deixar dúvidas, eu busco um ponto de referência conhecido e ele se espanta.
— Mas porquê tão longe?
Também não sei.
Pergunto como ele está e ele responde que está tudo bem, se curando de uma virose, enquanto troca a cadeira colorida de braço.
— É preciso ter paciência.
Ele fala em um tom que parece enigmático, quando relembro.
— Mas vá lá não quero atrapalhar seu exercício.
Nos despedimos. E amanhã, se nos vermos, não seremos os mesmos da cadeira colorida, sob o sol e a do boné verde e tênis.
Paciência. Foi o que ele disse. Primeiro, pensei que se referia à própria recuperação da virose. Depois, penso que talvez ele se referisse à cadeira de praia, à busca pelo sol, aos passos longínquos que eu não soube explicar, mas sorri.
Paciência em sermos outros na segunda-feira. Paciência pela espera do fim de semana, pelos cumprimentos aos desconhecidos, pelas solidões partilhadas e, por isso, menos sozinhas.
Olho para o aplicativo e tenho um novo recorde, mais passos por minuto, mais distâncias percorridas; isso também precisou de paciência.
Temos que nos sentar em nossas embarcações precárias e remarmos. Penso, enquanto dobro a última esquina, antes de chegar em casa. Ele tem que esperar que o próprio sistema imunológico prepare o seu corpo para ser saudável de novo. Eu tenho que esperar pelas incontáveis esquinas, pelos solados gastos, por algo que eu não sei o que é, mas me move.
Temos que nos segurar para não viramos com o pequeno barco; precisaremos nos entregar à sorte sobre as ondas, quando perdermos os remos. Paciência navegante, paciência capitã e tripulante.
Mas paciente como quem? Como a testemunha de Jeová com vestido, maquiagem, cabelos escovados e pasta aos domingos de manhã, batendo em portas que quase nunca se abrem? Ou como o dentista de canal, que tem um canteiro de obras de quatro por dois milímetros para reparar uma fratura?
Paciente como um artista mambembe, sem público, sem cachê, sem fama, ainda sem aplausos? Paciente como a mãe cujo diagnóstico do filho atípico a acompanha nas idas ao berço, cadeira de amamentar, banheira e trocador?
O homem da cadeira colorida de praia, aos domingos, tem o mesmo desafio do homem de jeans e bolsa trespassada no ponto de ônibus durante a semana. Meus passos não se limitam aos pares de tênis que eu já gastei durante a última década.
A paciência navega em um barco pequeno e instável, do qual não podemos saltar sem nos afogarmos no arrependimento. Às vezes turbulência, outras calmaria. Do pequeno barco, a paisagem, às vezes, é bonita de fazer chorar, noutras é aflitiva, com a água invadindo o piso.
—É preciso ter paciência.
Ele disse. Só não sei como ele navegava hoje, quando nos encontramos.
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