segunda-feira, 12 de outubro de 2015

De uma coisa que não tem nome

  De uma profundeza, um lugar tão particular, que ninguém alcança, que não se divide -  embora sigamos boa parte da nossa existência buscando quem o reconheça, o tome, conviva com ele tanto quanto nós somos obrigados a tê-lo. Que não se explica, não deveria se apegar, mas que nem com muita força e lucidez se espanta. Não. O que existe é uma vulnerabilidade, uma entrega tamanha, que qualquer racionalidade se mantém à distância.

   Um lugar de vento muito frio, cortante, temperatura glacial e num mesmo instante: uma fervura singular, lava de vulcão, ameaçando tomar o corpo inteiro e arrastar a alma caminho afora. Queima e faz frio, não há roupa que nos proteja de congelar ou de queimar inteiros; isento de equilíbrios, tudo é demasiado. Lugar de tempo indefinido, envelhecemos muito a cada segundo e, logo, voltamos atrás, como recém-chegados ao mundo, numa lembrança muito viva. 

  Onde enterramos paixões, velamos sonhos antigos, que se tornaram gastos e, agora, indesejados e despedimos de amizades que se tornaram distantes,  afinidades que se perderam na estrada e só a admiração pelo encontro foi preservada. Lugar onde terminamos ciclos e recomeçamos novos, sem descanso, sem pausa para balanços ou lamentações. - Deposite aqui o seu final e já leva, na volta, um outro início. Mesmo que não se saiba determinar o que é uma coisa ou outra.

  Lugar de tomada de decisões e de desistências sucessivas de cada uma delas. Espaço de planejar e construir fundamentos, levantar paredes, rebocá-las, dedicar-se aos acabamentos mais delicados e, mesmo antes de morar, colocar ao chão cada tijolo, destruir tudo, derrubar um edifício e se encontrar num casebre improvisado. Espaço de arrependimento e orgulho, lágrimas e assobios, descrença e conversão, luta e subserviência, cansaço e resolução; juntos em convivência íntima, como uma família que briga, mas não desiste dos laços.

  Onde existe a solidão de companhias exteriores, mas multidão diversificada de sujeitos internos. Tanta gente frequenta lá, tantos se apossam dos espaços, trazem suas bagagens, vindas de lugares distantes e compartilham, ocupam, confundem, mas, principalmente, enriquecem existências. Um turbilhão interno incapaz de ser lido por fora. Uma comunidade que existe para além do alcance dos olhos mais atentos, embora suspeitem da sua presença .

Se falamos do lugar, não há quem possa vislumbrar, porque é completamente individual e embora seja uma experiência comum,  palavra alguma é capaz de nomeá-la. Mas sabem, no fundo todos sabem dos habitantes que abrigamos e que ninguém pode ver. Os mais sensíveis desconfiam quando esse nosso lugar requisita acomodação e nos dão distância, liberdade, cedem uma mão e não fazem perguntas que não têm respostas possíveis. Só nos vigiam de longe e se identificam com o nosso lugar em confusão. 

  O lugar que nunca é vazio, nem entediante ou frugal é um universo que precisa ser visitado, perscrutado e, finalmente, amado. Porque é ele que nos abriga, quando perdemos o sentido da travessia é nele que guardamos nossas construções mais antigas, os entulhos e restos de memória que nunca foram embora. Não há fuga possível, não por muito tempo. Quem adia a visita, corre o risco de demorar a reconhecer o lugar, quando voltar. Mas do regresso, não escapamos nunca.

  O lugar que não tem um nome, mas muitos, essa coisa que nos move é a rota que nos persegue, mesmo quando ensaiamos afastamento. É nele que nos ajustamos e desequilibramos, onde lambemos nossas feridas e afiamos nossas lanças.  É ele quem nos sugere quem somos ou que caminhos tomamos para nos resgatarmos, quando nos perdemos do essencial. Essa coisa confusa, sem nomes ou regras claras é o que possibilita nossas idas e vindas, sem concessões; é o que acolhe nossas dúvidas, embora não responda nenhuma delas e onde  toca as músicas que, com alguma paciência, descobrimos como dançar. O lugar de nome indeterminado é o único que teremos sempre, se quisermos voltar ou não.



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