sábado, 10 de outubro de 2015

Desconhecemos o que já habita

  Amassa os dedos da mão e estala, por vezes um de cada vez, outras, todos de uma mão juntos, ecoando pelo ambiente um barulho nervoso, espécie de cartilagem sendo comprimida, esmagada. Se não são os dedos sacrificados são os pulmões, sorvendo a fumaça calmante da nicotina, que afasta companhias, mas habita a solidão que é estar a espera de qualquer coisa. Álcool e comida também distraem os vazios, os medos e  desconfianças de ausência; talvez chegue daqui a dois minutos, talvez mais, mas pode ser que também não venha nunca. Enquanto não acontece, mais um dedo, um trago, um gole, um pedaço que conforte.

  Esperar ser ou ter é se humilhar diante de um cruel e imperioso destino. É passar de um estado de  suspensão para, no máximo, de acomodamento. Esperar e não ter é uma queda da qual se levanta mais forte e experiente; esperar e ter, exatamente aquilo que se esperava, é se decepcionar com a limitação da realidade. Melhor então é não esperar ou na impossibilidade da distração, valorizar as chegadas inesperadas, mas providenciais.

  Frequentemente o que nos dão sem pedirmos é melhor do que aquilo que esperávamos. Porque vem sem expectativas e por isso, já nasce leve, gaiato, regalo despretensioso. A direção fora da estrada é caminho mais livre de placas, avisos, sinalização. Pare, olhe, contemple.

 Quando esquecer, vai ser. Pode apostar. Porque nada é mais favorável ao destino do que a distração, a falta de preparo, de jeito. É no imprevisto que encontramos a novidade, o caminho possível, que sempre esteve ali, mas nunca antevisto.  Na espontaneidade que os sentimentos afloram, na ausência de obediência aos planos, que a vida que não escolhemos, mas que cabe bem melhor ao que somos, existe.

  Se espera o leite ferver, vai sempre demorar mais. A correspondência muito aguardada é que atrasa a vinda do carteiro. Os olhos insistentes num só lado, perdem uma infinidade de acontecimentos bonitos, porque o essencial passa bem longe dos planos. Caminhos sinuosos, estradas em curvas, mudança de rotas e imprevisibilidade de destinos; nada escapa ao descontrole da vida que corre às margens do esperado.

  Aperta os dedos com mais força, dá uma tragada profunda no cigarro, busca o copo e vira o conteúdo na garganta sedenta de um resposta que teima em não chegar; mais um pedaço, um prato, uma colherada que sossegue o coração que sonha em alcançar um final, que na certa não existe. O fim é areia do deserto, que o vento muda a cada impressão de chegada. - Mais a frente, vai! Corre mais um pouco, agora pra lá, vai! Não chega nunca, mas continua perdido entre areias, buscando algo que sempre escapará.

  Esquecer não é aprendizado barato, nem conselho que se possa dar e, principalmente, seguir. Mas aproveitar o deserto, mesmo que nunca se apanhe a areia sonhada é possível. Contemplar uma duna, se entregar a ventania e agarrar, trazida por ela, aquilo que não se esperava, mas faz todo sentido agora que se tem nas mãos.

  Enquanto esperava apertando os dedos, olhou pela janela e viu uma paisagem imensa, que serenou a intranquilidade da chegada protelada. "Pode não vir. Pode não ser. E o céu é tão bonito". Libertou os dedos e esqueceu, ao menos por alguns minutos, daquilo que esperava ser ou ter. Largou o copo, o cigarro, o prato e se surpreendeu com o que já se instalava ao seu redor. Ilhado por uma infinidade de tesouros recém-descobertos talvez tivesse muito mais do que pudesse sonhar. No desamparo da espera, não tinha reparado no oásis no meio do deserto no qual vivia há tanto tempo.





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