As peculiaridades na criação de peixes são muitas e constantes. Conhecer os limites da água para o tipo de animal ao qual se pretende dispensar cuidados; se é um aquário, açude ou lago. E, principalmente, saber ao que se pretende a criação, se é essencialmente ornamental, para consumo ou entretenimento para pescadores amadores. Quaisquer que sejam os objetivos e as dimensões do criadouro, a nenhuma é possível abandonar depois que os peixes e o criador estabelecem relação.
Pareço louca
domingo, 29 de junho de 2025
O manual de criação de peixes
domingo, 8 de junho de 2025
A engrenagem da paciência e da urgência passam pelo mesmo portão da escola
O tempo entre a mão da mãe, soltando a do seu filho, no portão da escola, depois que o sino já soou, é diferente do tempo do homem que abriu e fechou o portão para mãe e filho. O gesto da mãe dura uma eternidade, até o filho crescer, ela morrer e o filho soltar a mão do próprio filho em outro portão de escola. Já esse tempo do homem é a sua força de trabalho, a produtividade do tempo que alimentará seu filho, cuja mãe soltou a mão também em outro portão.
Mas depois, quando o médico explica o prognóstico, a paciência, enfim, se assenta, se deleita com o futuro que virá, com os muitos vídeos que ouvirá sem escolha, com os aromatizadores de ambiente e as bolhas de ar nos filtros de água. A paciência quer ouvir do digníssimo homem da ciência que está tudo bem um caroço, uma protuberância cutânea sem importância. A paciência quer se esticar na cama do consultório e dividir com todos da antessala, corredor, andar, prédio, quarteirão e avenida, que tudo bem os quinze minutos mais de espera e que o seu futuro precisa começar já; que embora haja tempo, não há tempo a perder.
O mecanismo do tempo é essa engrenagem que pede urgência para determinados eventos e paciência para muitos mais, que prepara uma mão para partida e a outra para uma acolhida infinita para além do portão da escola.
domingo, 1 de junho de 2025
Se o mundo acabasse antes dos quatrocentos e oitenta meses esperados
Um experimento, um verso ingênuo, uma musa de pescoço em riste no camafeu que compramos na feira de antiguidades da Praça XV.
Um balde de tristezas, uma paixão não correspondida, um litro de aguardente intocado debaixo da pia. Uma caipirinha, uma pizza, uma igreja, um restaurante, um cinema, um museu, um pedaço de calçada favoritos no mundo.
Uma fogueira a ser feita, uma amizade que escorre por uma fresta invisível, uma esperança de mochila e tênis, que aprende a ler e a abaixar a tampa do vaso.
Um homem cordial e outro que grita. Uma mulher submissa e uma mulher. Uma mãe sem memória, uma certidão de nascimento com paternidade desconhecida e dois ingressos para o show do Gilberto Gil. Um apartamento financiado, uma carreira que não se consolidou, uma via que ainda não tomamos, uma dúvida, várias dúvidas.
domingo, 18 de maio de 2025
Às vezes basta romper a plasticidade da cereja e encontrar, de novo, a vida
É verdade que as grandes coisas vêm, tantas vezes, sem embrulho de presente. E ao sabermos disso, estendemos a mão a qualquer oferta ordinária, na esperança urgente de um regalo muito raro. E não é. E não vem e não virá tantas vezes.
Amanhece frio, mas uma faixa de sol no chão do quarto já parece antecipar a tal benesse. Pode ser só sol ou o prenúncio de um dia iluminado. Nenhuma mesa de café à espera, o atraso é o mesmo dos outros dias, mas o banho é o mais quente das últimas semanas. A água na leiteira ferve enquanto enxugo os pés, saio do banheiro, penduro a toalha na área de serviço e despejo a água no filtro com pó de café, pego a xícara no armário, coloco três colheres de leite em pó, cuja lata já estava na bancada e preparo o pão, do dia anterior, para colocar na sanduicheira. É a mesma coreografia há tempos, só reconfigurada nos fins de semana.
O cachorro na casa ao lado late com o mesmo vigor das outras manhãs — durante o restante do dia ele dorme e às vezes solta um arfado — o pão está um pouco torrado demais, mas os meus pés estão secos e não deixei a toalha na cama; pequenas vitórias. A louça fica suja em cima da pia, porque só tenho tempo para me vestir, escovar os dentes e secar um pouco cabelo; imperceptível derrota.
segunda-feira, 12 de maio de 2025
E é o feixe de luz nas costas do felino que o traz de volta à existência