sexta-feira, 11 de maio de 2012

Duas

  E dividir-se entre ser o que esperam de você e ser o que se é de fato, é, no mínimo, muito angustiante. De um lado a "dama da triste figura": correta, imagem limpa, simples, comum, sem surpresas, satisfeita até - está aí o que você deseja. Podemos ser, não podemos? Cedo a gente aprende o que "alavanca o ibope".

  Do outro, a trágica personagem: perdida,traços confusos e descontínuos, inconstante. Essa é melhor não ofertar, já que é sumariamente rejeitada em qualquer edição. Não cabe ali, não se encaixa aqui, não traz ela não, esconde, disfarça. Ficamos com a outra.

  E, por vezes, nós usamos a imagem mais "correta", porque desejamos aceitação, parece mais fácil, não? Não é por vaidade, nem puro anseio de ser amado, é só uma ambição tão humana, tão genuína de fazer parte de algo, quem iria condenar um propósito tão universal? E o que se faz com a outra personagem controversa? Não há modo de simplesmente ignorá-la, mesmo que você seja dissimulado o bastante para fingir não ouví-la, é inútil, porque ela grita, berra, vocifera insultos: - Ei, você aí! Eu existo, estou e permanecerei aqui, sempre!
  E não adianta corrompê-la com pequenos subornos, pedir para que ela apareça só com horário marcado, em períodos mais espaçados, de maneira mais discreta. A moça descontrolada é incorruptível, honestíssima e determinada, sabe bem que ela deve prevalecer, sabe, ao seu modo torto, o que é realmente bom para você.

  A outra, a inventada, a "traje social", é uma fábula, uma besteira; essa sim, só deve ser usada em ocasiões específicas. Sem voz própria, ela repete pateticamente o discurso da maioria, não pensa, não escolhe, não analisa, não se compromete, não se indispõe, mas também não vive. E quem aguenta uma existência assim tão ensaiada?

  Frida Kahlo enfrentou tal dilema e retratou-o em "Duas Fridas". Uma era a Frida que "deveria" ser, a outra, quem ela era. Durante o período do embate, Frida imaginou a vida "daquela que se é", se esvaindo, à medida que "aquela que deveria ser" ganha algum espaço. E, assim como na arte, na vida o risco é bem este: abrir mão do genuíno, em função do inventado.  - É algo a se pensar...diria a moça descontrolada.




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