quinta-feira, 10 de maio de 2012

Não adianta insistir para "caber"

  Quando eu tinha uns 13 anos meu pai trouxe para casa um pássaro preto que ele havia encontrado na rua. Machucado, perdido, o pássaro, criado em cativeiro, parecia muito assustado com o trânsito e as pessoas estranhas, meu pai não viu outra solução, senão trazê-lo para casa, embora sempre dissesse não gostar de animais domésticos.

  Logo o chamei de "meu", corri para o porão e "resgatei" a gaiola antiga, que havia sido do nosso canário belga. E, se para o canarinho a gaiola era suficientemente espaçosa, para o pássaro de maior porte, ficou demasiadamente limitada e, por isso, planejamos comprar uma maior, logo. Encantadas, eu e minha mãe o alimentamos, demos água, providenciamos um local maior para o seu banho, enfim, o recebemos da maneira mais afetuosa e hospitaleira que podíamos.

  Minha mãe, que conhecera pássaros pretos, na sua infância, relatava as qualidades inerentes à raça, aumentando minhas expectativas com relação ao animal. Dócil, altamente domesticável, pacífico e com habilidades vocais poderosas, um canto forte e de longo alcance, além de aprender facilmente pequenos truques (como desfazer laços e carregar alguns objetos mais leves). Ansiosa em conquistar seu afeto, dediquei-me ao pássaro, como a apaixonada amante oferece seus cuidados ao amado moribundo. Dias depois, o pássaro preto não só não me amava, como bicava minhas mãos a qualquer descuido meu, não cantava e se alimentava muito mal.

  Magoada, decepcionada, frustrada, permaneci insistente em frente à gaiola que eu lhe ofertara. Alimentava-o com as comidas mais variadas, as frutas mais coloridas e frescas, mantinha-o dentro de casa, nas noites mais frias e escolhia um lugar à sombra nos dias ensolarados, ofertava minha atenção e olhar ao, cada vez mais, arredio pássaro preto. 

  Semanas se passaram e o medo e a desconfiança do pássaro não passavam. Eu agora, ferida, é que necessitava de alguma atenção, mas a única que eu desejava era a do pássaro. Certa noite, então, meu pai chegou com a notícia de que havia descoberto o dono do "meu" pássaro. Com a informação de que o animal pertencia a outra família, meu pai já havia procurado-a e prometido levar o pássaro ao seu antigo lar. Relutei um pouco, chorei, reclamei da minha dedicação, que agora, parecia inútil, senti-me, verdadeiramente, derrotada, já que não havia conquistado o amor do pássaro.  Mas, mais tarde, achei mais sensato que o "meu" pássaro voltasse para onde ele já se acostumara, onde conhecia e, provavelmente, fazia dele mais afetuoso e feliz. Pelo menos, foi o que eu disse, na época.

  No entanto, a verdade, é que senti-me incrivelmente aliviada com a partida do difícil pássaro, já não suportava sua rejeição contínua, seu temperamento arredio e o seu comportamento ingrato. Desejei, profundamente e secretamente (a revelação só faço agora) que ele e a sua antiga família fossem bem infelizes entre eles e que o pássaro negro se arrependesse amargamente de ter sido tão rude, com quem queria tanto amá-lo.

  Confesso hoje, que eu não amei o pássaro negro, eu amei a "ideia" do pássaro; ele nunca foi o meu sonho, eu só queria fazer com que ele coubesse nele. Mas, por mais flexíveis que as coisas ou pessoas pareçam, elas nunca "se dobram" a sonho algum. Por isso, tentar "fazer caber" é o caminho mais curto para a frustração. E ainda dizem que as crianças são bondosas o tempo inteiro...eu sei que não são.


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