segunda-feira, 11 de junho de 2012

Era uma vez uma diva (ou o dia em que rezei para Marilyn)

  O livro sobre a cama, recém acabado, rapidamente consumido, sôfregamente saboreado, traz a sensação de término súbito, de melancolia, saudades. Sentirei enormemente falta das personagens, especialmente da principal, do enredo, dos cenários, da vida que ali pulsava ora apaixonadamente, ora desiludida. E não é bem esta, a vida de todos nós? Umas vezes de uma força tão arrebatadora, que atropela coisas e gentes, até nós mesmos; outras linha fina, fraca, lutando sutilmente para manter o moribundo com alguma vida.

  Na capa da biografia a figura loira, resplandecente, de olhos incrivelmente tristes, se despende de mim. Escolho um lugar "respeitoso" (entre Woody Allen e Almodóvar) na prateleira já abarrotada, para que a estrela nunca se sinta só. Ou mais só. A personagem é Marilyn Monroe, das atrizes hollywoodianas por quem, até então, tinha uma admiração limitada, achava-a belíssima e mais nada. Mas depois que conheci Norma Jeane, minha identificação com ela se tornou profunda. Os livros tem este poder sobre mim, transformar palavras em experiências, confundir minhas lembranças com narrativas alheias, trazer à tona sentimentos guardados, esquecidos ou disfarçados. Uma boa história (ou estória) é capaz de me deixar tão desgastada, tão cansada, como se eu fosse a própria personagem, experenciando cada acontecimento.

  Antes da "despedida" seguro o livro nas minhas mãos mais uma vez, grata por tê-lo lido, grata por ter sido apresentada a esta Marilyn, grata por ter descoberto Norma Jeane. A "cerimonia" exige respeito, não é mais um livro, um amotoado de letrinhas apinhadas em folhas de papel, nem imagens impressas aleatoriamente para ilustrar uma história qualquer. É mesmo uma vida que pulsou ali, como a que pulsa aqui. Desejo uma oração para o momento. Uma oração em que caiba todas as angústias de Norma Marilyn Jeane Monroe, que caiba as minhas e as angústias de todos; que a salve do estranho, do conhecido e dela mesma, que nos salve também; para que encha a alma atormentada de Marilyn de compaixão e coragem, para que também nos encha. A que Santo recorrer, que oração é esta, que levará a tal história e personagens para um lugar de profunda paz e completude?

  Resolvo rezar por ela, através dela mesma, sem intermediários, nem anjos, nem santos. Marilyn se salvará, Norma Jeane se perdoará e encontrará sozinha o seu paraíso particular. Antes de guardar sua história no lugar escolhido, confidencio baixinho: A gente já passou por umas boas, né loira? Você mais do que eu. A gente já deu a volta por cima, né? Também você mais do que eu. Mas a gente seguiu segurando, né Norma? Não seguiu? Agora eu mais do que você. A gente até se sentiu sozinha, a gente teve medo. Mas tanto, tanto que fomos amadas, por que a gente não viu isso? Porque você não se sentiu assim? Fique bem, querida Norma, me deixe bem também. Aqui ninguém vai enlouquecer, nem eu, nem você. E se isso acontecer, que não doa, que a gente não tenha consciência da nossa loucura ou que ela seja, pelo menos, doce, Norma Jeane, e nunca amarga.

  Ponho, finalmente, o livro na prateleira, surpreendo-me como tudo a minha volta permanece no seu lugar impassível, intacto, como se nenhuma onda tivesse por aqui passado, como se nada fosse devastado por mar algum. E, é isso que é a vida e é assim que são os livros; ninguém sabe quantas vezes já fomos afogados por sentimentos e experiências, ninguém que se mantém "de fora" sabe onde e como aprendemos a nadar e, muito menos,  a razão desse nosso medo da água. Ah, se soubessem...




Nenhum comentário: