sexta-feira, 8 de junho de 2012

Sobreviver será o suficiente?

  Um domingo comum, desse mornos, desses quase felizes, temperatura amena, sons distantes, sem pressa, sem pressão, só um domingo...lembro da amiga antiga que vive agora um dos seus sonhos também remotos. Já desejei-lhe felicidade, já demonstrei todo meu afeto e compartilhei com ela a minha alegria pela sua realização. Porque a gente quando assiste o outro, cumprindo com o seu destino sonhado, pensa o quanto é possível os sonhos mais distantes e a gente sente ainda mais "parte" dessa realização, quando é alguém tão merecedor de tal conquista. No fundo, todos merecemos, mas a gente tem lá no fundo também (ou não) nossas preferências. 

  O dia específico me parece propício para lembrá-la que me lembrei dela, lembrei de seu sonho, lembrei de que ela o conquistara, lembrá-la que outro alguém no mundo também era feliz com a sua felicidade. Peguei o celular, digitei umas palavrinhas simples e fui seguir com o meu domingo. Minutos depois, recebo sua mensagem de agradecimento e a frase "Logo será você a realizar este sonho também". A amiga em questão é de uma bondade, generosidade e amorosidade incríveis, mas de um modo bastante pragmático, se isso for possível. Não é pessoa de frases, poemas, nenhuma literatura, nem choros, nem emoções muito afloradas, por isso não esperava resposta alguma, por isso o fato de desejar explicitamente a mim uma realização semelhante a sua, me surpreendeu profundamente e, mais, me desconcertou completamente.
  "Logo será você a realizar este sonho também" ecoou em um lugar que nunca nada havia tocado. Pela primeira vez eu pensei na possibilidade real de "logo" não ser eu; nunca ser eu; jamais realizar o tal sonho. E se fosse assim que o destino me quisesse, como eu seria com essa irrealização? Que pessoa eu me tornarei se o "logo" não chegar nunca? Quando se é imaturo o sonho é certeza. É projeto que se cumprirá (quase que sozinho) em um futuro qualquer. O "logo" é uma data qualquer na agenda. O sonho não só é possível, como também é certeza sólida. Mas, em determinado tempo, depois de alguns sonhos perdidos, de outros substituídos, de novos sonhos, a gente aprende que há coisas que, definitivamente, ficam em algum lugar do caminho, que a gente não lembra ou finge esquecer onde discretamente as deixamos cair. Porque também, com o tempo, temos um repertório variado de dramas reais de pessoas que desejaram, lutaram e mereceram tanto a relização que nunca chegou. Alguém, em algum lugar, em algum tempo, talvez tenha enviado-lhes a mesma mensagem, emanando a mesma energia, mas simplesmente não aconteceu.

  A frase tão bem intencionada atormenta meu domingo de paz, coloca dúvidas nas minhas, até então, tão arraigadas certezas. Agora, continuo o meu exercício de "prever" o que será de mim, caso o "logo" nunca chegue. Imagino-me um veterano de guerra, depois de ter visto, vivido e sobrevivido aos horrores de uma guerra,  que chega ao seu lar, aparentemente, intacto. Perdeu amigos; alvejou inimigos; superou medos; pensou que morreria, desejou, algumas vezes, não acordar mais; rezou, pediu ajuda a todas as divindades, depois desacreditou e praguejou contra todas elas; passou fome, frio e sede, mas o que mais lhe doeu foi a constatação do homem e a sua solidão. O homem retorna ao seu lar pacífico, com todos os membros do corpo, com tudo que chama de vida; e ele é grato. Sabe que sobreviver é mesmo uma dádiva.

  Mas, todas as noites, o homem se levanta da cama, sem sono, toma seu chá na varanda da casa, onde todos dormem o sono tranquilo do "lar feliz". Mas o homem não, ao homem falta alguma coisa, que não é visível, ele olha para o céu estrelado e em segredo confessa a infelicidade da ausência que só ele conhece. Ninguém ouvirá qualquer lamento, ninguém nunca o verá derramar nenhuma lágrima sequer, mas o homem não voltou inteiro da guerra, o homem nunca mais será completo, mas este é o preço que ele pagará por ser um sobrevivente. Alto demais? Não sou capaz de julgar.

  Não apago a mensagem do celular, não apago sonho, nem dúvida. O domingo é um quadro de paisagem tranquila, seus personagens sorriem, ninguém sabe que ali dentro um jovem prestes a ir para guerra tem medo, muito medo, e ao mesmo tempo, muita, muita esperança.


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