segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O filme, a cena, a moça e o peixe...


  A moça se aproxima do prato na mesa do jantar e escolhe para si, entre todos os outros, o pedaço de peixe de pior aparência, seguida por outra moça que logo se serve, também entre tantas possibilidades, da parte mais bonita da iguaria. A primeira moça teve nas mãos a chance de se servir do aparentemente melhor, mas não o fez. E eu que já me simpatizara com ela desde o início, senti uma ternura absoluta por ela e sua atitude. A cena banal, passa rapidamente, sem grande destaque, em um filme* que assisti há mais de 10 anos, mas inexplicavemente hoje, como por tantas outras vezes, eu tive a chance de recordá-la. Podia ser uma cena épica, romântica, grandiosa, mas é justamente essa cena "desimportante", cotidiana e improvável, que trago na memória por anos.

  Lembro muito pouco do enredo do filme, que não foi uma fita muito popular. Mas, essa cena despertou em mim uma identificação profunda com a personagem tão desapegada e, mais, uma projeção intensa sobre quem eu gostaria de ser. Era para a personagem menos charmosa, menos dramática, menos conflituosa a quem eu dirigia minha admiração. E acho, verdadeiramente, que o processo de identificação-projeção com situações e personagens da ficção dizem muito mais a respeito de nós, do que podemos supor. E provavelmente por isso, somos, nos testes psicotécnicos, estimulados a resgatar os personagens animados da infância, com quem mais nos identificamos. 

  E, a cada escolha que sou impelida a fazer, cada decisão que preciso tomar, eu me recordo da cena, da moça do filme e, principalmente, lembro de quem eu desejo ser ou, pelo menos, me aproximar. A cena serve, invariavelmente, para não deixar-me afastar do caminho que, para mim, sempre me pareceu ser o mais valioso. A doce moça chinesa que abre mão do "melhor peixe", não me deixa esquecer que há olhares muito mais profundos, que não caberíam em uma rasa travessa de peixe. Por eu sigo lembrando do filme, da cena, da moça no jantar e do seu peixe, para eu não esquecer de quem fui, sou ou, simplesmente, desejo ser...

*O filme chama-se "O Clube da felicidade e da sorte" (1993), baseado no romance de Amy Tan.
PS: Não encontrei a cena específica, mas o jantar é este e o diálogo entre mãe e filha é incrível.


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