sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Talvez ela estivesse certa

  Da menina muito pouco se sabia, quase ninguém ouvia sua voz, não que não tivesse uma, não que não tivesse o que falar, mas era mesmo muito próprio da sua personalidade: chegar devagar, permanecer, escutar, confiar e, só então, começar a falar. Acontece que dentro de si, era muito cheia de palavras, inventava estórias, mantinha longuíssimos diálogos internos, cantarolava as canções que ouvia, mas externar, era mesmo muito raro. A medida que as suas relações sociais se ampliavam, ficava cada vez mais difícil manter-se silenciosa, sua voz passou a ser requisitada, e pressionada, a menina tornou-se uma "falante eventual". Desacostumada às atenções, à oralidade, sua voz era mesmo bem baixinha e, vez ou outra, ouvia a advertência: - Fala para fora! Magoada, ela obrigou-se a mais este ajuste: seu tom precisava ser potencializado. Gostava bem mais da fala interna, sempre mais fluida, mais natural e mesmo assim, tão mais elaborada. Sentia-se patética quando precisava estabelecer algum diálogo, gostaria de ser compreendida, mas desistia de se fazer entendida, quando o caso parecia demasiado difícil. Cansada das confusões externas, às vezes, trancava-se no seu quarto, naquele que ficava dentro de um armário, escondia-se do mundo de fora, dentro do mundo que criara para si.

  Mais crescida aprendeu a equilibrar o mundo "de fora", com o seu individual, e ainda, que não fosse uma adolescente  falante e extrovertida ao extremo, sabia quando a escola, o trabalho, a vida em geral, solicitava que "falasse para fora". Aliás, odiaria a tal requisição para o resto da vida. Para tirar-lhe do sério a senha era bem esta. Já mais "treinada" com as vivências sociais, a menina silenciosa, tornou-se uma mulher razoavelmente articulada e quanto maior o nível de intimidade, maior o número de palavras e opiniões. E se a voz era baixa, as falas eram raras, as opiniões surgiam em fluxos incontroláveis.

  E, talvez a sabedoria da natureza estava bem aí, fazer alguém tão cheia de juízos e convicções, com voz e vontade de falar bem limitadas. Assim, não haveríam as confusões, os mal entendidos e as mágoas, as dela, e as dos outros, por conta de uma análise externada. Há coisas que não devem ser ditas, porque só quem  as viveu, sabe exatamente o seu tamanho e razão e não há palavras, entende? Língua nenhuma é capaz de abarcar todo e qualquer sentimento.

  A mulher de hoje, pensa que não devia ter lutado tanto contra a sua própria natureza. Mesmo que o mundo requisitasse que ela "falasse para fora", era "para dentro" que as respostas deveríam  reverberar. Há coisas que devem mesmo permanecer cá dentro, trazer incomodações para fora só lhe farão mais mal. Talvez, o melhor mesmo é parecer boba. 

  Portanto faça coisas bobas, seja o tolo que sempre acharam que você era: assuma como seus os erros alheios, diga que falhou, que exagerou, peça desculpas, mesmo quando a ofendida for você, supere traições, deslealdades, sorria aos carrascos, continue imperceptível se assim desejarem, permaneça em silêncio, mesmo diante do maiores impropérios, afirme com a cabeça, não dê a eles nem sequer um "sim" falado; quem quiser que entre aí, no mundo onde você tem voz, não adianta gritar aos surdos, é em vão dizer-lhes o que eles não querem, não sabem ou não suportam ouvir. Ela voltará para o quarto do armário, voltará para si. A menina silenciosa talvez tenha razão, dê somente o que você tem a oferecer, não se esforce demais, porque há muita incomodação aí fora...



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