segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Quando dizer "adeus" não dói

  Com o tempo aprendemos que despedirmos de algo ou alguém é inevitável. Perdemos a presença, o convívio ou até a afinidade, no caso das pessoas; já com as coisas, perde-se a utilidade (embora para muita gente as pessoas também sejam "perecíveis", mas isto é uma questão mais profunda, que eu prefiro adiar a abordagem.). Seja qual for o caso, as despedidas sempre trazem algum sofrimento, seja talvez por egoísmo, por uma visão muito limitada  ou  por "perder" a sensação de segurança que a simples presença do outro nos proporcionava. E, o medo pode ser tão grande que a gente nem perceba que há muito o outro já era a tão temida ausência (parecer estar, quando já não mais está).

  O que a gente nunca lembra é que perdemos tanto todos os dias (e os outros seguem nos perdendo) e continuamos também ganhando, não é? Para estabelecer novas relações, para crescer, para direcionarmos nossas vidas para um outro foco, é comum que deixemos muitos pelo caminho (gentes, coisas, crenças, filosofias). Vez ou outra, para abraçarmos o novo, precisamos soltar o que é velho, oferecer nossos braços ao que parece nos dar mais sentido. Existe algum saudosismo sim, alguma nostalgia e, até nos acostumarmos, pode sim trazer muita dor, principalmente, quando nós nos sentimos o "velho", o "antigo", o abandonado. Mas, até para essa dor a vida se encarrega de nos preparar.

  Minhas maiores despedidas quase nunca ocorreram subitamente, fui aos poucos me acostumando as eventuais  ausências ou repetidos descasos, meu coração foi, também aos poucos, conhecendo a face imperfeita do outro, o que era detestável, desconfortável e desconhecido, até então; até, vejam só, a despedida não só ser inevitável, mas também desejada. 

  Achava mesmo que quando meu avô morresse, eu não teria mais chão, não caberia em mim toda dor e pranto de tristeza. Mas, quando ele enfim partiu eu muito pouco chorei. Senti sim uma grande dor, mas muito, muito mais branda do que eu poderia imaginar. Porque a vida se encarregou de tirar meu avô de mim e do mundo, "um pouco por dia". Sua doença retirava a cada minuto uma lembrança, um motivo de alegria, o entendimento, o humor; apagava seu sorriso, tirava o brilho do seu olhar, até ele não ser mais ele. Quando meu avô partiu definitivamente, sua ausência já morava há muito em minha alma. Foi um "até logo" por dia, até eu me acostumar com o "adeus" definitivo e desconfiada do seu sofrimento eu não lamentei quando ele esticou seu braço em um último adeus. Egoísmo seria eu desejar que aquele a quem tanto amava, continuasse a se apagar um pouco mais a cada minuto.

  É claro que a perspectiva sobre o que devemos abandonar ou deixar que nos abandone, se torna mais possível, quando nos distanciamos dela (quando a despedida já aconteceu). Mas a gente precisa sempre  estar mais atentos aos desejos e necessidades do outro, além dos nossos próprios. Entendermos que as despedidas  fazem parte do movimento natural da vida e contra ele não há luta que impeça-o de sempre vencer.

  Por vezes a gente toma alguma fase da nossa vida como algo cristalizado, intocável, permanente, sem nos darmos conta que tudo o que a vida quer fazer é passar, seguir seu rumo. Então, tal qual crianças mimadas, que encontram um cachorro vira-latas na rua e querem fazer dele um animal doméstico, passivo. A gente leva para casa, dá banho, comida e cama quentinha, sem nos esquecermos da coleira. O cão nutrido, seguro, desfruta de uma tarde dos afetos infantis. E quando sairmos para passear com o nosso cãozinho inventado, ele nos mostra o que não queremos ver, sua personalidade  mais indócil; puxa violentamente a coleira desejando liberdade, persegue os gatos da rua, é atraído pelas latas de lixo e, já cansado da limitação do menino ele avança contra aquele que só desejava amá-lo. Cansado da luta quase corporal o menino larga a coleira e devolve o cão a sua vida errante. Não era aquele o bichinho que o menino desejava amar, não era aquela a vida que o cão poderia viver. Aliviados, cão e menino voltam as suas rotinas. Sem, ao menos, lamentarem suas perdas. Compreenderam que o "adeus" poderia ser bom e seguiram, permaneceram as lembranças, mas abriram-se para outras presenças. Que a gente sempre saiba ser grato pelas repetidas e necessárias ausências, para que nunca doa tanto quando a gente precisar largar a coleira.



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