quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Se perguntam...

  As ruas são as mesmas, já é um mesmo trajeto há pelo menos três anos, achei que seria temporário, mas pela duração já admito a rotina. Quatro ou cinco dias da semana meus passos desenham a disciplina da esportista que nunca fui, tampouco imaginei que apeteceria-me ser um dia. Na maioria das vezes, cumpro a meta com passos rápidos em uma caminhada compulsória (a qual eu mesma submeto-me) e, ao mesmo tempo, leve e  muito feliz. Vez ou outra, revezo com as corridas, o desafio necessário; a trilha sonora auxilia o ritmo dos pés, a atenção é testada o tempo todo, as ruas são movimentadas, o trânsito é intenso. Respiração, música, transeuntes, sinais de trânsito, motoristas displicentes, eu não perco nada, quase nunca. Os caminhos certamente poderíam variar, mas eu não mudo, talvez pela necessidade de alguma segurança e estabilidade, que, de certa forma, a manutenção da trajetória me proporciona. Algumas pessoas também se repetem ao longo do circuito, o senhor que anda com dificuldades (parece-me se recuperar de um AVC), as amigas de meia idade, o corredor e seu cachorro, o ciclista das camisas cítricas, o funcionário do prédio perto da praça (esse já não vejo há dois meses, mas meus olhos sempre correm a buscá-lo, era o único a cumprimentar-me com o seu alegre "Bom dia, menina!", faz-me falta sua sorridente figura).

  Eventualmente alguém encoraja-se, aproxima-se e grita alguma pergunta, geralmente sobre a localização de alguma rua ou número, de fato, sou a pessoa certa, ali já decorei os nomes, as direções e cada pequeno caminho. No entanto, quem sabe da minha frequência por ali, senão quem por ali também circula? Penso que é na "sorte" que me param.

   Mas, hoje não. Esta manhã, encontrei mais pessoas perdidas e corajosas ou quem sabe, hoje eu parecesse mais disponível  do que de costume,  porque somaram-se quatro abordagens diferentes. A primeira abordagem, pegou-me completamente desprevinida, eu virava uma esquina e antes que eu visse o "rosto" da pergunta, a "voz" calou minha música nos fones de ouvido e perguntou-me a respeito de um carrinho de supermercado esquecido em frente a portaria de um prédio. Provavelmente, alguém deixou ali por alguns minutos, enquanto subia com as compras, mas a "voz" agora com um rosto, envelhecido, sujo e de olhar perdido pareceu não entender a minha explicação, talvez estivesse embriagado, talvez fosse um paciente psiquiátrico da clínica do outro lado da rua. Respondi, mas não pude ajudá-lo em sua confusão. Mais a frente, uma mulher perto de uma placa, com o nome da rua, percebi que também teria uma pergunta para mim, por isso tirei o fone de um dos ouvidos e comecei a caminhar mais lentamente. Ela queria saber se aquela era a rua a qual procurava. Não sei se por falta de óculos, alfabetização ou atenção, mas ofertei a senhora, o que estava em frente aos seus olhos. - Sim, é esta rua sim senhora. Depois, o carro parado no farol procurava a empresa de contabilidade recém inaugurada, e eu conheço, vi a casinha delicada com jardim, varanda, cachorros e, quem sabe, uma família, ao longo de um semestre, ser transformada em uma construção branca, cercada por vidros e alguns detalhes verdes, não gostei. Explico o caminho e levo meu lamento comigo, porque para o dono do carro, a construção pálida e fria tem mais serventia que um lar de desconhecidos. A quarta abordagem acontece próximo do colégio tradicional da cidade, um grupo de crianças, que parece sair das provas finais  discutem algumas das questões, passo por elas e tenho alguma saudade, logo eu que achava que o "fim da escola" seria a melhor parte da minha vida escolar; sorrio para elas, porque sinto-me parte do que acontece ali. Enquanto preparava-me para o lugar mais duro do meu trajeto, a subida,  noto que alguém me chama, paro, e vem ao meu encontro uma menina do grupo, com uma folha, mostra um texto em inglês e quer saber se eu sei o que significa uma determinada palavra, logo as outras crianças juntam-se a ela e aguardam o veredicto de um adulto. A palavra é "foolish", ouço alguém perguntar - Tem certeza? Sorrio da desconfiança, mas "sim, essa palavra eu conheço muito bem".

  Volto para minha rotina, suspensa repetidas vezes, recobro o fôlego, recomponho os fones e penso que quanto mais eu ando por estas mesmas ruas, menos eu sou dona delas. O tempo nos faz menos donos de coisas, pessoas, sentimentos e situações, aprofundar-se em algo é reconhecer-se ignorante nesta mesma coisa. O fato é que por sorte acertei as perguntas de hoje, mas eu sou tão passageira quanto qualquer outro, perdida, procurando um lugar, alguém, uma resposta, um significado para uma palavra qualquer. Nestas ruas pelas quais eu caminho todos os dias sou apenas uma estrangeira, a desconhecida que pode ser vista todos os dias, mas ainda assim desconhecida, despreparada, suada e  so foolish...




              

2 comentários:

Ana disse...

Já ouvi essa musica umas cem vezes, obrigada pela partilha:)
gostei muito do texto, às vezes também me parece que as pessoas estão mais simpáticas, mais disponiveis mas acabo por concluir que é de mim, então de manhã sou muito metida comigo mesma, pouco falo... sou uma foolish das grandes;)
beijos

Amanda Machado disse...

Haha também já tinha ouvido tanto que resolvi compartilhar a música, Ana, e achei que "cabia" bem na situação...Que bom que gostou!;)