segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

E por não esperar é que foi feito

  Aqueles momentos sublimes, inesquecíveis, os quais levamos na memória por uma eternidade, não têm ensaios, não podem ser previstos ou calculados. Há, de um lado, as grandes celebrações da vida, pelas quais esperamos, agendamos e nos preparamos: uma apresentação, a primeira palestra, aula, seminário, a formatura, o casamento, o nascimento de um filho. São datas marcadas, ansiosamente aguardadas, nem por isso menos passionais e calorosas, cujo valor de eternidade já são inatos. Há, porém, aqueles pequenos momentos, cuja marca aparente é a do cotidiano, mas que por um mínimo detalhe transformam a gente, nos levam para um outro mundo, dão um sentido mais profundo a nossa existência e porque não foram agendados, não esperávamos por eles, eles aconteceram, assim surpreendendo, nos tirando o chão, a razão, o sentido pré-estabelecido.  E, é bem por isto que a vida comum, esta que acontece quando estamos ocupados demais, cansados demais, entediados demais e muito distraídos, nunca deve ser subestimada, porque é dela que se fazem a maior parte dos nossos dias e é nela que as nossas maiores surpresas acontecem.

  Preparando a casa, a alma e o corpo para uma dessas festividades de final de ano, nem dava-me conta dos pequenos milagres que aconteciam ao redor. Como boa anfitriã tratava de fazer a melhor comida, as melhores acomodações para os hóspedes, a bebida, a música e a decoração mais aconchegante e esquecia-me de atentar-me ao grande regalo da vida que era a senhorita J. Garotinha de cinco ou seis anos, das mais bonitas que já tinha visto, nem só pelos atrativos externos, mas pela personalidade muito cheia de matizes: meio abusada e também doce, curiosa, mas paciente, hiperativa e ao mesmo tempo tão atenciosa. Senhorita J. é dessas que encantam a primeira palavra, gesto ou, mesmo, olhar. Eu maquiada, vestida, composta, servindo boa comida, segurando sempre uma pequena taça, esforçando-me muito para fazer um belo natal e parecia que quanto maior era o esforço, menos tudo era especial. É que ainda não tinha dado-me conta que o especial não requer esforço.

  Antes de deitar-me depois de uma ceia farta, uma divertida troca de presentes e muitos gracejos da senhorita J., ainda atendi ao pedido de seu pai e coloquei sob nossa árvore, embaixo da qual ela agora dormia, o "presente do papai Noel". A princípio não vi muito sentido, mas coloquei e deitei-me ao lado da pequena. Na manhã seguinte, meu pequeno milagre de natal acontecia: senhorita J. já despertara e eu com os olhos semicerrados, disfarçava que dormia, só para assistir suas reações. Pois nem os olhos de ressaca de Capitu, pelos quais Bentinho se enamorara, faziam sombra  aos olhos de surpresa da senhorita J. era tanto brilho nos seus olhinhos verdes e espertos, levava a mão à boquinha rosada e prendia a respiração, como fazem essas misses, após o anúncio de sua vitória, olhava para mim, deitada (acreditando que eu estava dormindo) buscando uma testemunha pelo acontecimento, depois voltava os olhinhos para o pacote, desejava abrir, mas generosa queria compartilhar sua descoberta com alguém. Para não prolongar sua dúvida, pus-me de pé, comemorei com ela a passagem do papai Noel, felicitei-a pelo pacote e ofereci minha ajuda para abrí-lo. Juntas, tiramos cada lasca de papel bonito à unha, como se o que estivesse dentro da caixa pudesse nos salvar as próprias vidas. Com a revelação do pacote, senhorita J. emocionada olhou-me bem dentro dos meus olhos (inchados, despertados à força, sem nehuma maquiagem) e disse-me a frase que certamente carregarei comigo mesmo quando a senhorita J. não caber mais debaixo daquela árvore natalina: - é o que eu sempre sonhei em ganhar.

  Não fui eu quem comprei o presente, a ideia de colocá-lo enquanto ela dormia também não tinha sido minha, mas fui eu a presenciar os maiores espetáculos da vida: um ser humano ser positivamente surpreendido, alguém ver sua fé materilizada em um simples pacote e uma pequena senhorita ter seu sonho realizado. E eu estava de camisola, com cabelos desgrenhados, com a luz da manhã desconcertante que quase cegava-me e por não esperar é que o espírito festivo inundava-me a alma. Para os grandes acontecimentos da vida há de se estar despreparado, mas com os olhos, ainda que inchados, bem dispostos. Para os pequenos milagres acontecerem é preciso um pouco de fé e distração, o resto são só bobagens de natal.




Um comentário:

Ana disse...

e são esses pormenores que fazem o espirito de natal ser tão especial:) adorei