domingo, 14 de abril de 2013

Vida é improviso

  Em um assalto não penso duas vezes: dou bolsa, celular, carro, chave do apartamento, cartão com senha.
Na vida, desprezo os desleais, para sempre, e com os falsos sempre respondo à altura, na hora. Não levo desaforos para a casa, não faço concessões nem para os que amo.

  Tomo mais um longo gole de água, na cozinha do apartamento. Ainda trêmula, quase choro. A vida segue muito mais nos improvisos de um segundo, do que das promessas todas que fiz durante toda a trajetória. Não dei a bolsa,  uma bolsa velha, sem cartões, pouco dinheiro, com uma blusa surrada da ioga dentro, não dei e por quê? Quando ele ameaçou os três tiros, mesmo  à centímetros de distância eu não dei. Pensei que não podia voltar atrás, porque é que eu sempre penso em só seguir? Gostaria mesmo de aprender a voltar. Experimento a roleta russa de viver: ele não pode estar armado, ele não parece estar armado, eu não morro hoje, eu não quero partir devendo tanto, não posso, posso? Quando mesmo que estarei pronta? Hoje eu não estou. Há tanto ainda a fazer. Injustas: eu e a vida; ela comigo e, provavelmente, eu muito mais com ela. Não posso partir sem antes apertamos as mãos. Não sem meus agradecimentos sinceros, sem uma lágrima feliz escorrendo pela face de ambas, velhas amigas; não sem um "foi um prazer", não sem levarmos nada uma da outra. Antes de partir é preciso se eternizar em algo. Peço uma oportunidade de tentar mais. Desejo ficar.

  O algoz daquela noite não estava armado, mas eu senti cada um dos três tiros. Curtos, rápidos, exatos, derradeiros. Cada um deles afastava-me mais das expectativas, das possibilidades tão vastas.  O gosto do sangue, do arrependimento, da bolsa que eu nunca imaginei que fosse apegar-me tanto, tenho dado tanto valor ao que não merece e tão pouco ao que me faz verdadeiramente plena. Eu sobrevivo, quase ilesa. Nenhum ferimento aparente, um susto bobo às custas de um descuido. Preciso aprender que a cidade não é minha, pela primeira vez, ela não pertence a mim. A minha vida também não é. Não tenho mais todo o tempo do mundo e acabo de perder a sensação de liberdade noturna na cidade que não é mais minha. É preciso começar a dever menos, adiar menos, é preciso coragem, mas, por outro lado, um pouco de medo também.

  Com o copo de água na mão, o açúcar acumulado no fundo, o alívio por não ter partido esta noite, o arrependimento das inúmeras dívidas que tenho acumulado e a melancólica sensação de nunca ter tido nada meu. Segurei a maldita bolsa porque quis muito que alguma coisa me pertencesse. Egoísta, frágil, medrosa, agarrei-me à bolsa, quando o que mais importava era a vida. Até quando eu continuarei errando as escolhas? Até quando o improviso me derrubará? 

  Bebo mais um pouco de água, o gosto do sangue quente cheio de medo, aos poucos se dilui, agora ele ferve ávido por vida, cá nas veias. Já aprendi que os erros são inevitáveis, mas tenho cada vez mais ambição pelo acerto, então talvez seja preciso um número maior de tentativas. Quinta-feira à noite eu apertei o gatilho e a roleta não me levou. Não dei a bolsa quando pediram. Continuo ouvindo o que não gosto e não respondendo à altura; aos desleais dou perdões seguidos e a cada pequena decisão, um número incalculável de concessões têm sido feitas. Quebro todas as promessas, quando os segundos surpreendem. Os ensaios só servem para simular a vida desejada. A vida real não dá tempo para requisitar os exercícios, ela se alimenta é do agora. "Pense e sinta rápido, madame!", o bandido teria me dito se houvesse tempo, mas não houve. Nunca há.



2 comentários:

Anônimo disse...

:(

Ana disse...

Só sabemos a nossa reação quando passamos por essas situações sempre tão complicadas, eu não sei como reagiria... mas sei que não vale a pena ensaiar porque na altura de nada serve