sábado, 8 de junho de 2013

A melhor jogadora do time

   Ela tem sete anos e é minha vizinha, a menor vizinha melhor da minha rua, joga futebol com os meninos, irrita-os o tempo todo com provocações infantis-femininas; ela é o menor sorriso da minha rua, mas com ele ilumina, incendeia, explode; ela é a melhor vizinha da minha rua e por isso à noite rezo por ela, pela alegria, pela paixão que tem nos olhinhos, nas pernas inquietas e nas palavras certeiras; ela é a vizinha mais inteligente da minha rua e seu vocabulário se expande a cada dia; ela é a menininha mais esperta da minha rua que já sabe fazer contas com o dinheiro que ganha da mãe, já sabe o preço e, mais do que muitos adultos, sabe o valor das coisas, pessoas e sentimentos, pois recebe o pai na porta com abraço apertado todos os dias na volta do trabalho, manda beijos sonoros da janela de casa quando a mãe sai, finge ferir os amigos da rua, só para chamar a atenção, mas faz carinhos nos seus egos quando a bola encontra os pés daqueles quase-homens e explode em gol, a menina tem o grito mais agudo do time; ela é a menina mais amada da minha rua e nem por isso vai ser poupada da desilusão.

  Sexta-feira à noite, o pai da menor-maior alegria da minha rua, sai com malas nas mãos, acompanhado pelos olhos magoados dela, que deseja ir com ele. O pai da pequena felicidade, ainda argumenta que voltará, na semana seguinte, para passearem, a levará ao estádio, ao zoológico, ao Rio de Janeiro, à Disney, a levará até à China, mas a menina em nada se convence. Com o tempo as crianças aprendem que promessas de adulto quase nunca se cumprem, porque, afinal, adulto quase sempre não é confiável. É visível o sofrimento do pai ao retirar aos mãozinhas da menor vizinha da minha rua do capô do carro, mas sei que o sofrimento dela é ainda maior, porque fazer caber tanta dor no corpinho da jogadora de futebol de rua é tarefa das mais ingratas. O carro do pai desaparece na curva da rua, a menina senta-se na escada da porta de casa e fica cada vez menor, menos brilhante, menos a vizinha mais alegre da minha rua, a mãe se aproxima, dá um abraço e recebe o consolo da menina mais forte da minha rua. Quase sempre os pequenos consolam mais do que são consolados.

  O pai seguia rumo a uma nova vida, agora mais distante da filhinha, enquanto a mãe explicava que as coisas não modificariam entre eles, a mãe não sabe, porque a mãe não é esperta como a menina, mas alguma coisa já se quebrou. A menina, minha vizinha menor-melhor não terá de novo a vida que tinha até ontem; saberá sim viver outra, mas será outra e disso ninguém a preveniu.

  Ela tem sete anos e dessa dor ninguém poderá poupá-la, nem eu, nem a mãe e o pai, nem os companheiros de time, nem minhas orações diárias; ela é a menor-melhor vizinha da minha rua e aprenderá a conviver com saudade, separação e desilusão precoces. A mãe fantasia porque os adultos, mais que as crianças, são os mestres dessa arte-desastrada de achar que tudo pode voltar a ser como sempre foi; enquanto a menina recolhe os caquinhos da alma para não chatear a mãe com a bagunça, a mãe espera a volta do marido, a filha espera a próxima partida de futebol.

  Elas sobem, algumas horas depois escuto os gritos da menor-melhor-menina vizinha  da minha rua, ela comemora um gol, o gol que ela mesmo acabara de fazer. Há resoluções que só meninas de sete anos podem e sabem como cumprir. Ela é minha vizinha e sabe bem o que fazer com uma dor, ela não precisa de estádio, zoológico, Rio, Disney ou China. A menina mais esperta da minha rua, já sabe levantar do gramado depois de uma entrada desleal, sem olhar para trás, sem reclamar com o juiz e seguir direto com a bola para o gol. A vizinha da minha rua fez o primeiro gol hoje e para mim já é a artilheira do campeonato.



6 comentários:

Anônimo disse...

Aaaah que lindo!!! :'(

Cristina disse...

Lindo! Quero uma filha assim!!!

Ana disse...

As crianças são sempre o melhor do mundo, a esperança. No começo e em tudo!

Amanda Machado disse...

;) Então sorria!rs

Anônimo disse...

Sua delicadeza nas palavras e no jeito de ver o mundo me impressiona e me emociona sempre =)

Lindo texto!

Beijos!

Amanda Machado disse...

Que bom...obrigada, Zi! Beijo